Têm sido tensas as conversas do governador Eduardo Leite, do prefeito Nelson Marchezan e de outros gestores públicos com representantes do setor empresarial. A pressão é cada vez mais forte pelo afrouxamento das restrições à circulação de pessoas, o que inclui a retomada da produção nas indústrias e a reabertura de lojas, shopping centers, bares e restaurantes. O argumento é o mesmo, com pequenas variações na intensidade da cobrança: o isolamento vai quebrar a economia e causar mais mortes do que a covid-19.
O brasileiro tem que ser estudado. Ele não pega nada. Você vê o cara pulando em esgoto ali, sai, mergulha, tá certo? E não acontece nada com ele. Eu acho até que muita gente já foi infectada no Brasil, há poucas semanas ou meses, e ele já tem anticorpos que ajuda a não proliferar isso daí
JAIR BOLSONARO
Presidente da República
As três principais federações empresariais (Fiergs, Federasul e Farsul) estão afinadas: querem um plano de afrouxamento das restrições, coisa que as autoridades não têm como fazer porque não há certeza sobre como evoluirão, nos próximos dias, os números de contaminados e de mortos. O que se se sabe que a demanda por leitos de UTI é crescente e o sistema de saúde não tem capacidade para atender à demanda prevista.
Boa parte dos dirigentes empresariais do Rio Grande do Sul abraçou a tese do presidente Jair Bolsonaro de que é preciso voltar a produzir, reabrir as escolas e isolar as pessoas com mais de 60 anos ou que têm problemas de saúde. “Isolamento vertical” virou o arroz com feijão dos últimos dias. A questão, que segue sem resposta, é como isolar os mais velhos em um país com milhões de pessoas vivendo em habitações precárias, sem condições mínimas de colocar os mais vulneráveis em quarentena.
Governadores e prefeitos adotaram medidas restritivas baseados em evidências científicas e no exemplo de outros países. Ninguém quer ser acusado de omissão se houver um colapso no sistema de saúde e as pessoas começarem a morrer por falta de respiradores, como na Espanha e na Itália.
Relembrando, amanhã faz um mês que o jornal El País publicou reportagem com o título “Itália muda estratégia contra o coronavírus para combater o alarmismo e proteger a economia” e subtítulo “Governo se empenha em garantir que turistas não correm risco ao viajar ao país”. Na véspera, o país contabilizava 650 infectados, 17 mortos e 45 pacientes curados.
Um mês, depois, são 62 mil diagnosticados com a covid-19 e 8.165 mortos no balanço divulgado ao final da tarde de quinta-feira (26). O país que optou por não adotar medidas restritivas está completamente parado. A Espanha segue pelo mesmo caminho e já tem mais mortos do que a China, onde o vírus surgiu no final de 2019 e levou as autoridades a isolarem a província de Wuhan.
O governador Eduardo Leite disse nesta quinta que antes de 10 dias não há hipótese de acabar com a quarentena e que definir prazos para a retomada da atividade econômica, como querem as entidades empresariais, seria “um achismo, um chute”. As medidas serão reavaliadas ao longo da próxima semana, à luz da evolução da pandemia.
Alinhado com outros governadores, Leite diz que o abrandamento das restrições deve ser definido a partir de informações técnicas sobre o número de casos e a capacidade da rede hospitalar de atender os pacientes em estado em grave.
A pressão dos empresários está em sintonia com as manifestações do presidente Jair Bolsonaro, que adotou a linha de subestimar o coronavírus. Nesta quinta-feira, Bolsonaro acrescentou mais uma pérola à extensa colação de aberrações que já disse sobre a covid-19:
— Eu acho que não vai chegar a esse ponto (a situação dos Estados Unidos). Até porque o brasileiro tem que ser estudado. Ele não pega nada. Você vê o cara pulando em esgoto ali, sai, mergulha, tá certo? E não acontece nada com ele. Eu acho até que muita gente já foi infectada no Brasil, há poucas semanas ou meses, e ele já tem anticorpos que ajuda a não proliferar isso daí.
Aliás
Em Caxias do Sul será realizada nesta sexta (27) uma carreata para pressionar pela revogação dos decretos de fechamento do comércio. O irônico é que organizadores recomendam que o protesto seja feito de dentro dos carros “para não propagar o vírus”.