Faltou sensibilidade ao governador Eduardo Leite ao avalizar a receita perversa anunciada nesta segunda-feira (4), de punir os contribuintes que pagam IPVA, reduzindo o prazo de quitação e suprimindo o desconto tradicionalmente oferecido para quem quitasse o tributo em dezembro.
O sinal que o secretário da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso, passou é de que o governo age como um gatinho com as empresas devedoras de ICMS e ruge como leão quando se trata de cobrar imposto do cidadão que conta os trocados para pagar o tributo sobre a propriedade de um veículo que, muitas vezes, é seus instrumento de trabalho. Não se trata de jatinho nem de iate, mas do carro do motorista de aplicativo, do profissional liberal, do trabalhador que dele precisa para se locomover.
É fato que parte das empresas devedoras de ICMS não está inadimplente por opção, mas porque na crise precisa escolher qual conta vai atrasar. Só que, não custa lembrar, quem paga o ICMS não é a empresa: ela cobra do consumidor de produtos e serviços e repassa para o fisco. O certo seria o dinheiro do ICMS cair direto na conta do Tesouro, porque já está embutido no preço.
O Ceará, tantas vezes elogiado por integrantes do governo por suas políticas, eliminou há vários anos a possibilidade de quitação de dívidas de impostos dos redução de juros e multas. Quando esteve em Porto Alegre em um seminário organizado pela Secretaria do Planejamento, o secretário da Fazenda, Mauro Benevides Filho, disse que o Estado não fazia esse tipo de programa para não desestimular os bons pagadores, passando a ideia de que atrasar o pagamento de impostos poderia se transformar em um bom negócio para o devedor.
Como o refinanciamento de dívidas de ICMS com desconto ou isenção de multa já entrou para o calendário oficial da Secretaria da Fazenda —todos os anos tem —, os devedores já contam com essa possibilidade, porque sabem que os governos chegam ao final do ano com a corda no pescoço, precisando fazer dinheiro a qualquer custo.
A forma burocrática como Cardoso anunciou as mudanças mostrou que o governo não parou para avaliar o impacto da medida no bolso do contribuinte. Justificou que o governo gaúcho está se alinhando com outros Estados, que concentram, os pagamentos em janeiro. Faltou dizer que em Santa Catarina, por exemplo, o IPVA é mais baixo do que no Rio Grande do Sul.
Cardoso apegou-se a um número considerado baixo para minimizar o impacto da mudança: só 5% pagavam o imposto parcelado. Faltou lembrar que esses 5% o faziam por absoluta necessidade e não pelo prazer de pagar em abril uma conta que poderiam pagar em janeiro. O governo de José Ivo Sartori já havia mudado o histórico sistema de pagamento até a julho, conforme o final da placa, e puxado o prazo limite de quitação para abril, além de dificultar a aplicação do desconto para os bons motoristas.
Outro erro do governo foi anunciar em cima da hora uma mudança que impacta no planejamento financeiro das famílias. A dúvida agora é se esses proprietários de veículos pagarão antecipado, como imagina o governo, venderão o carro ou engrossarão o cordão de inadimplentes.
Para os que pagavam o IPVA em dezembro, contando com o desconto de 3% mais a vantagem de não ter aplicada a inflação, o governo também foi inclemente. Cortou o desconto e manteve apenas a manutenção da Unidade Padrão Fiscal de 2019, porque nem teria como, legalmente, cobrar imposto antecipado aplicando uma UPF corrigida pela inflação.
Os técnicos do governo partem do princípio de que, se é para pagar em 31 de janeiro, com a UPF corrigida, os contribuintes continuarão antecipando para dezembro, mesmo sem o desconto de 3%. Pode ser que sim, pode ser que não.
Aliás
É, no mínimo, uma contradição: o mesmo governo que atrasa e parcelas salários acaba com a possibilidade de os contribuintes em aperto pagarem o IPVA em prestações.