Eu estava na 1ª série do antigo ginásio quando veio a reforma do ensino de 1971. No ano seguinte, teria a opção de frequentar a 2ª série ou entrar no sistema novo e ir para a 6ª. Para ficar mais perto da família, migrei para o novo sistema. O Grupo Escolar João Ferrari tinha sido promovido a Escola Estadual de Ensino Fundamental, mas carecia de material didático.
Os professores que nos conduziram naquela jornada foram guerreiros. Só com giz, quadro negro e um mimeógrafo a álcool deram aulas inesquecíveis a um grupo que reunia crianças de 11 anos, como eu, a adultos na casa dos 30, que decidiram voltar a estudar.
Imagine agora como era uma aula de geografia sem um Atlas colorido, sem um globo e sem livros. Nesse concurso de carências, ninguém superou a professora Clementina Beto, que dava aulas de música sem um instrumento sequer para demonstrar como a teoria funcionava na prática.
Aprendemos a desenhar a clave de Sol e a da Fá, sem saber para que serviam, discorríamos sobre colcheias e semicolcheias, fusas e semifusas, mínima e semibreve, sem imaginar como aquelas bolinhas na pauta se transformavam em música quando transpostas para um piano, instrumento que ninguém daquela aldeia conhecia pessoalmente. Populares eram a gaita e o violão, mas nem isso havia nas nossas aulas de música.
Dona Clementina nos ensinou tudo o que sabia sobre instrumentos. Sopro, percussão, cordas dedilhadas, percutidas, friccionadas. Tocar, nem flauta doce sabíamos. Também nos ensinou o vocabulário do canto, mas era impossível imaginar a diferença entre contralto e soprano sem jamais ter assistido a uma ópera, porque na nossa pequena cidade não havia cinema, ou a uma simples apresentação de coral. A única memória que restou de uma aula prática foi a de "boca chiusa", em que tentamos cantar o Hino Nacional de boca fechada.
Com essa abnegada professora de Educação Artística aprendemos distinguir colunas jônicas de helênicas e romanas sem jamais ver a fotografia de um templo.
Ela nos ensinou sobre o barroco e o gótico sem nunca ter visitado uma catedral. É em dona Clementina que penso quando visito museus e vejo, encantada, crianças de 10 anos aprendendo sobre arte diante de um Rembrandt, um Van Gogh ou um Picasso. Serei eternamente grata a esses professores que abriram as janelas do mundo, mesmo sem ter as ferramentas adequadas.