Se havia alguma dúvida sobre quem são os destinatários das medidas propostas pelo presidente Jair Bolsonaro para abrandar as regras de trânsito, o próprio tratou de esclarecer, nesta quarta-feira (5), no lançamento de um projeto de revitalização do Rio Araguaia, em Aragarças, interior de Goiás:
— Apresentamos um projeto para fazer com que a Carteira Nacional de Habilitação passe sua validade de cinco para 10 anos. Que o caminhoneiro que transporta aqui o que o Centro-Oeste produz não perca sua carteira com 20 pontos, e, sim, com 40 pontos. Por mim, eu botaria 60, porque, afinal de contas, a indústria da multa vai deixar de existir no Brasil.
De tanto repetir que existe uma indústria da multa (e não motoristas que desrespeitam as regras de trânsito), o presidente acaba por constranger os próprios técnicos do seu governo.
Já tinha sido assim quando anunciou o fim das lombadas eletrônicas e dos pardais nas rodovias federais, uma promessa irresponsável, que ignora o papel dos controladores de velocidade no combate às mortes no trânsito.
O constrangimento do diretor do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), Jerry Adriane Dias Rodrigues, nesta quarta, na entrevista à Rádio Gaúcha era visível quando questionado sobre a proposta de acabar com a multa para quem desrespeita a regra de transportar crianças na cadeirinha. A substituição da multa, que hoje é de R$ 293, por uma advertência, não tem a concordância dos técnicos, que precisam ficar fazendo chicanas para explicar as decisões do chefe.
O endurecimento das punições ajudou a reduzir as mortes no trânsito, mas o Brasil ainda está longe dos padrões de um país civilizado. Anualmente, morrem cerca de 40 mil pessoas em acidentes (ou crimes de trânsito, em boa parte dos casos). É uma guerra sem trégua, que deixa 300 mil feridos e 25 mil mutilados por ano, destrói famílias e custa R$ 12 bilhões por ano ao Estado, segundo cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Esses R$ 12 bilhões são a soma do que se gasta com tratamentos médicos e pensões para inválidos e dependentes dos mortos.
Os 60 pontos na carteira ficaram só no desejo do presidente. O projeto que foi para o Congresso fixa em 40 pontos anuais o limite para a suspensão temporária do direito de dirigir — a partir desse acúmulo, o motorista precisa passar por uma reciclagem. A responsabilidade agora está com o Congresso, que deve podar os excessos presidenciais.
Pelas manifestações desta quarta, a multa para quem transporta crianças fora da cadeirinha será barrada por deputados e senadores. A reação forte e imediata da Sociedade Brasileira de Pediatria deverá balizar o comportamento do Congresso. Outras entidades de defesa da vida tentarão derrubar o aumento da pontuação e outras medidas interpretadas como licença para transgredir.