Desde que Antonio Palocci anunciou a intenção de fazer um acordo de delação premiada, é voz corrente que o potencial político das revelações — comprovadas ou não — é de uma bomba atômica. O levantamento do sigilo de um trecho pelo juiz Sergio Moro, a cinco dias da eleição, pode influenciar na votação do candidato do PT a presidente, Fernando Haddad, e de outros concorrentes do partido nos Estados, a começar por Dilma Rousseff, candidata ao Senado por Minas e líder nas pesquisas de intenção de voto.
As pesquisas até aqui mostram Haddad em trajetória ascendente e indicam segundo turno entre ele e Jair Bolsonaro. Nas simulações de segundo turno, o candidato petista supera Bolsonaro tanto no Ibope quanto no Datafolha. Em tese, uma bomba como essa, em uma eleição polarizada, tem alto potencial destrutivo, mas convém lembrar que os eleitores de Haddad sabem que ele é o substituto de Lula na eleição e que o ex-presidente só não é o candidato porque está preso em Curitiba, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro.
Logo, a delação de Palocci — cujos trechos principais já haviam sido divulgados — não é novidade para esse público. O impacto tende a ser maior entre os eleitores não partidários, que pensavam em votar nele por rejeição a Jair Bolsonaro.
A delação de Palocci é explosiva porque é um petista entregando os companheiros, coisa que José Dirceu nunca pensou em fazer. E é um petista que ocupou postos-chave, teve acesso a informações privilegiadas, participou de negociações milionárias e partilhou dos segredos de Estado. Foi personagem principal nos governos de Lula e Dilma Rousseff e não um coadjuvante desses que não conhecem da missa um terço.
Médico de formação, ex-prefeito de Ribeirão Preto, Palocci foi o idealizador da Carta aos Brasileiros, que Lula divulgou às vésperas da eleição de 2002, para acalmar o mercado. Com bom trânsito na elite econômica, tornou-se uma espécie de fiador de Lula junto ao empresariado e acabou escolhido ministro da Fazenda no primeiro mandato, quando esperava ser o titular da Saúde. Caiu porque se envolveu no barulhento caso da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, mas renasceu feito Fênix na campanha de Dilma em 2010, como um dos coordenadores ao lado de José Eduardo Cardozo e Eduardo Dutra.
O que Palocci conta é muito grave. Em um dos anexos da delação premiada, diz que duas campanhas de Dilma custaram juntas R$ 1,4 bilhão, mais do que o dobro do valor declarado à Justiça Eleitoral. Acrescenta uma informação que também é familiar para quem conhece o submundo das campanhas eleitorais: que os empresários contribuíam esperando benefícios em troca e, mesmo nas doações oficiais, boa parte do dinheiro vinha de acertos de pagamento de propina.
A delação completa tem mais de 800 páginas. Parte do conteúdo já vazou enquanto Palocci negociava o acordo com a Polícia Federal, já que o Ministério Público não aceitou a colaboração premiada.
Sem dar detalhes, Palocci contou que havia um mercado de venda de medidas provisórias no Congresso Nacional durante os governos petistas, envolvendo o Executivo e o Legislativo. Em síntese, a MP saía do Planalto com um escopo e ganhava adendos no Congresso, para favorecer grupos privados. No fim das contas, a propina era rateada entre os aliados.
A defesa de Lula reafirmou o que vem dizendo desde que veio a público a intenção de Palocci de delatar: que ele mentiu para obter benefícios que vão da redução da pena à manutenção de parte dos valores encontrados em suas contas.
Por que Moro liberou agora trechos da delação que poderia ter tornado públicos há mais tempo? Os petistas sustentam que foi por motivação política, com a intenção de interferir no resultado da eleição. Lembram que Moro agiu de forma semelhante quando vazou áudios de uma conversa entre Dilma e Lula, obtida por grampo ilegal (aquela em que a então presidente fala em mandar o "Bessias" levar o termo de posse dele na Casa Civil).
No Twitter, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, publicou: "Moro divulga para imprensa parte da delação de Palocci. Não podia deixar de participar do processo eleitoral! A ação política é da sua natureza como juiz. Vai tentar pela enésima vez destruir Lula. Tudo que consegue é a autodestruição".