No pronunciamento em que anunciou o endurecimento com os caminhoneiros que pararam o país, o presidente Michel Temer não usou a expressão "Forças Armadas", nem nominou Exército, Marinha e Aeronáutica como protagonistas da complicada tarefa de desobstruir as estradas e permitir a passagem de caminhões. Falou em "forças federais" e convocou os governadores a mobilizarem suas polícias para garantir o abastecimento de combustíveis, alimentos, medicamentos e tudo o que está parado nas rodovias do país.
Foi a preocupação com o risco de uma convulsão social que embasou a decisão do Planalto. Apesar do apoio da população à greve dos caminhoneiros, os conselheiros de Temer sabem que seria o caos se a paralisação se estendesse pelos próximos dias. Temer não quis pagar para ver o Brasil ter a sua "Venezuela week", como diziam as piadas de redes sociais, com supermercados vazios, transporte coletivo parado por falta de combustível, ambulâncias paradas, hospitais sem comida e sem remédios, aviões impossibilitados de voar, rebelião em presídios por não ter gás nas cozinhas.
O Planalto entendeu que a mesma população que hoje aplaude a greve imaginando que a demonstração de força dos caminheiros fará baixar também o preço da gasolina (o que não está nos planos) se voltará contra o governo se ficar retida em casa sem transporte e sem combustível, correndo o risco de não ter como cozinhar uma panela de feijão por falta de gás.
O discurso de Temer contempla as duas palavras que o ex-deputado Ibsen Pinheiro, um veterano que, como ele, ajudou a escrever a Constituição, considera as mais importantes em uma situação de crise aguda como essa: habilidade e firmeza. Habilidade, na opinião de Ibsen, Temer demonstrou ao propor a redução do preço do diesel por 30 dias e atender outras demandas dos caminhoneiros. Mudou _ sem assumir que estava mudando _ a política de preços da Petrobras, que nas últimas semanas significou reajustes quase diários dos combustíveis. Acenou com a tal "previsibilidade", reivindicada pelos grevistas, sem se aprofundar para não afugentar os investidores e não desgastar o presidente da Petrobras, Pedro Parente.
Pela manhã, Ibsen sentia falta da "firmeza", traduzida por ações capazes de fazer o país retomar a normalidade antes que se instalasse o caos. No pronunciamento feito logo após o meio-dia, Temer disse que não lhe faltava coragem para tomar as medidas necessárias. E mandou um aviso aos caminhoneiros que não reconhecem o acordo e prometem continuar bloqueando estradas:
– Quem bloqueia estradas, quem age de maneira radical, está prejudicando a população. E garanto: será responsabilizado. O acordo está assinado, e cumpri-lo é a melhor alternativa. O governo teve a coragem de dialogar e, agora, terá a coragem de exercer sua autoridade em defesa do povo brasileiro.
Não é "intervenção militar já", que pediam os cartazes pregados em alguns caminhões por defensores de um golpe nos moldes do de 1964. Temer invocou o artigo 142 da Constituição, que diz: "As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".
Traduzindo: é competência do Executivo, do Legislativo e do Judiciário convocar as Forças Armadas para a "garantia da lei e da ordem". Dilma Rousseff usou esse artigo para justificar a convocação das Forças Armadas para retomar o controle do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Temer baseou-se no mesmo artigo em fevereiro passado, quando decretou a intervenção na segurança do Rio.