O sucesso da greve dos caminhoneiros tem explicações que vão além da unanimidade dos transportadores contra os aumentos sucessivos do preço do diesel.
A paralisação fermentou nos últimos meses em um caldo que inclui, como ingrediente básico, a política de preços da Petrobras, mas não seria suficientemente denso sem outros cinco: a fragilidade do governo Michel Temer, a falta de um líder para negociar pelos caminhoneiros, a incapacidade dos burocratas de prever reações óbvias da população, a irritação das pessoas comuns com a sua inflação particular, diferente dos índices oficiais, e o descrédito dos políticos em geral.
Os cartazes colados nos caminhões na greve de novembro de 2015 mostram que aquela era uma greve política, encorpada por questões econômicas, como o preço do diesel – sempre ele – e as tarifas de pedágio. "Fora Dilma", diziam os cartazes, repetindo o bordão das passeatas que adubaram o terreno para o impeachment.
Dilma caiu em maio de 2016 e os caminhoneiros voltaram ao anonimato. Enquanto o dólar se manteve em queda ou estável, a política de preços adotada pelo presidente Pedro Parente, de variação dos preços dos combustíveis de acordo com o comportamento do preço do barril e da oscilação da moeda americana, o descontentamento com os reajustes frequentes ficou camuflado.
A disparada do dólar e dos preços internacionais do petróleo despertaram o vulcão. Os autônomos, que reclamam da impossibilidade de repassar o aumento de custos para o frete, deram a largada nos protestos. As empresas, interessadas em resolver antigas pendências para reduzir seus encargos e em impedir a reoneração da folha de pagamento, aproveitaram a carona e aderiram à mobilização.
Como a estratégia foi não bloquear as rodovias para ônibus e carros de passeio, o movimento não enfrentou, como das outras vezes, repúdio da população. Ao contrário, a ira coletiva com os aumentos fez crescer o apoio aos caminhoneiros, situação que poderá mudar se a greve continuar por muitos dias e começarem a faltar produtos essenciais nos supermercados e nas farmácias. Combustível já falta na maioria das cidades do Rio Grande do Sul e de outros Estados, até porque o risco de desabastecimento levou milhares de pessoas aos postos de gasolina a partir da tarde de quarta-feira, provocando novo aumento de preços.
A reação errática do governo amplia a incerteza sobre o futuro da greve depois de vencida a trégua divulgada na noite de quinta-feira, uma vez que nem todas as entidades que representam os caminhoneiros aceitaram o acordo. O anúncio de ontem soma-se às ações afobadas adotadas para tentar encerrar a paralisação. Na quarta-feira, a Câmara aprovou a isenção de PIS/Cofins sobre o diesel, que seria compensada com a reoneração da folha de pagamento de metade dos setores que receberam benefício fiscal no governo Dilma. Menos de 24 horas depois, o Planalto descobriu erro de cálculo na conta do que seria o impacto da isenção de PIS/Cofins. Em vez de R$ 3 bilhões por ano, seriam R$ 15 bilhões.
A reação imediata foi tentar segurar a aprovação no Senado, para evitar o ônus do veto. O presidente do Senado, Eunício Oliveira, viajou para o Ceará sem colocar o projeto em votação e acrescentou mais combustível à fogueira. Depois, diante das cobranças pela falta de sensibilidade, anunciou que está retornando a Brasília e convocou sessão do Senado para as 19h. Para encerrar a greve, os caminhoneiros exigem a publicação da lei que garante a isenção das taxas. Pedem, também, mudança na política de preços da Petrobras, para ter "maior previsibilidade".
Essa previsibilidade, defendida também por líderes do MDB preocupados com a eleição de outubro, contraria a política adotada por Pedro Parente. No meio da crise, as ações da Petrobras despencaram. No início da tarde, a queda era de 13%. Diante da pressão política, não se pode descartar um pedido de demissão de Pedro Parente, executivo que assumiu a estatal pelo desafio de recuperá-la depois da crise da Lava-Jato.