Houve um tempo em que eu ansiava pelo Dia de Finados. Na segunda quinzena de outubro, as mulheres da família se reuniam para fazer coroas de flores de papel crepom. Era uma arte feita para durar dois ou três dias, porque na primeira chuva o papel se derretia e só restavam os ramos verdes que ornavam o arco de vime ou de arame e que secariam nos dias seguintes.
Com seis anos, aprendi a fazer rosas perfeitas e cravos que pareciam de verdade. Era uma ciência cortar o papel em forma de pétala, trabalhar as bordas e, com os polegares, esticar o papel no limite certo para que ficasse levemente côncava. Depois, juntar uma a uma na haste previamente envolvida em papel verde e amarrar com um arame finíssimo.
O Dia de Finados era quase uma festa para nós, crianças, que não tínhamos mortos próximos a lamentar. Os homenageados com as coroas eram dois avôs que não conhecemos e bisavós de cuja existência só sabíamos por aqueles túmulos identificados com uma foto desbotada. Morávamos a 200 metros de um cemitério dito de família, mas que era cedido para os vizinhos que ali desejassem enterrar seus mortos.
Esses vizinhos acendiam velas e traziam coroas de rosas de papel crepom. Foi assim que conhecemos a maravilha da parafina, que encorpava as flores e garantia maior durabilidade às coroas. Quando iam embora, os vizinhos pediam que acendêssemos as velas que o vento apagasse. Era uma responsabilidade com o mundo da vida eterna iluminar as almas que, pela nossa crença, viviam em outra dimensão.
A indústria do plástico acabou com as flores de papel crepom. Os cemitérios por onde passei neste fim de semana de pós Finados estão repletos de flores que não murcham nem se derretem com a chuva. Não sei se ainda acendem velas, nem se existe cruz mestra para homenagear os mortos enterrados em outros cemitérios. O Dia de Finados passou a ser apenas um dia de saudade.