Repare nesse recorte de jornal do século passado, amarelado pelo tempo. É de outubro de 1998. A legenda diz que a pessoa de cabelo curto, sentada diante de uma geringonça que parece um computador é a editora de Política de ZH, Rosane de Oliveira (eu), respondendo às perguntas de crianças finalistas do concurso Jornalista por um Dia. A loirinha a meu lado é a menina que escreveu a "reportagem" de Política no caderno especial publicado no Dia da Criança. Eu, que era da comissão julgadora e votei no texto dela, devo ter dito algo como "um dia tu vais trabalhar comigo" ou, talvez, "tu vais sentar na minha cadeira".
Esse recorte veio parar no meu celular via WhatsApp. A mãe da menina está de mudança e resolveu remexer no baú de guardados e separar o que merecia ir para a casa nova. Lá no fundo, encontrou a prova de que, desde muito cedo, a filha sabia o que queria ser quando crescesse. Ela não foi uma das vencedoras na categoria 10-11 anos, mas estava entre os finalistas de um concurso com 10,5 mil trabalhos inscritos.
O texto tratava de poder, um tema que a menina, agora uma das mais bem-sucedidas jornalistas de sua geração, conhece muito bem. "Se eu escrevesse um dicionário, certamente definiria a política como montanha-russa", registrou a pimpolha no primeiro parágrafo.
Olhe de novo para a foto e responda: esse rosto não lhe é familiar? Sim, ela é Kelly Matos, hoje com 30 anos e uma das estrelas do Grupo RBS.
"Se eu escrevesse um dicionário, certamente definiria a política como montanha-russa"
Kelly Matos
O destino, se é que existe, nos aproximou quando Kelly, recém-formada, passou de estagiária a produtora do Gaúcha Atualidade, à época apresentado por André Machado, Ana Amélia Lemos e eu. Nossa conexão foi imediata, como se nos conhecêssemos de outras vidas – ou do concurso Jornalista por um Dia, que nenhuma de nós lembrava até a descoberta do recorte da página 47 de ZH de 14 de outubro de 1998. Vi a Kelly desabrochar na produção, crescer como repórter em Brasília e amadurecer como uma comunicadora versátil, que vai da política ao futebol com desembaraço. É o que na minha terra chamamos de "pé de boi". Conheci a pessoa generosa que ajuda quem precisa, lidera todas as campanhas de arrecadação de donativos e carrega no próprio carro os presentes de Natal, de Dia da Criança ou simplesmente o socorro para quem perdeu tudo numa enchente.
Várias das crianças que participaram do concurso coordenado pelo nosso saudoso Carlos Urbim tornaram-se jornalistas respeitados. Não tenho certeza de quais foram minhas palavras exatas para aqueles projetos de profissionais, mas falei para a Kelly o que imagino ter dito a ela. A resposta veio na hora, pelo WhatsApp:
– Simmmmmm! Tu me inspirou! Quer coisa mais linda que essa? Inspirar o sonho de uma criança! Fazê-la acreditar que pode se tornar realidade. E a realidade se tornou esse sonho. Obrigada, obrigada, obrigada!!
Contei essa história na terça-feira aos finalistas do concurso Primeira Pauta, uma das nossas portas de entrada em ZH, na esperança de que a trajetória da Kelly sirva de inspiração. Naquele grupo de moças e rapazes poderá estar o que, daqui a pouco, brilhará nos espaços que hoje ocupo na ZH e na Rádio Gaúcha.