Está terminando neste domingo uma Olimpíada que parecia fadada ao fracasso. As aves de mau agouro previam o caos, consequência da combinação fatal entre a inépcia das autoridades, o superfaturamento das obras, a violência do Rio, o zika vírus. Contagiada por esse pessimismo, colecionei temores: as arenas não ficariam prontas, os atletas de primeira linha desistiriam de vir na última hora, a abertura seria sem graça ou meio bizarra, os estrangeiros ficariam enojados com a sujeira da baía da Guanabara. E ainda havia o risco de um atentado terrorista, facilitado pelo despreparo das forças de segurança para lidar com uma praga que, felizmente, não chegou aqui.
O complexo de vira-lata começou a se transformar em orgulho verde-amarelo na noite de abertura, com o espetáculo criativo que encantou o mundo – e custou menos, bem menos, do que o show inaugural dos jogos de Londres, em 2012. Começou no exato instante em que Paulinho da Viola, um deus de cabelos brancos, cantou o Hino Nacional, dedilhando o violão, acompanhado de uma orquestra de cordas. Naquela noite que agora já parece distante, lembrei do verso de Chico Buarque em Bye Bye, Brasil: "Eu vi um Brasil na TV".
Nos últimos 15 dias passei a me interessar por esportes que nunca me chamaram a atenção. Chorei com a medalha de ouro de Rafaela Silva no judô e com sua história de vida. E com o sonho do ouro que virou bronze para a nossa Mayra Aguiar Silva. E com os outros Silva ostentando medalhas de ouro, prata e bronze na Olimpíada do Brasil. Vibrei com os acertos dos ginastas, sofri com os erros que lhes subtraíram pontos decisivos, aprendi com Daiane dos Santos a antecipar as notas, a identificar pequenas falhas, a reconhecer a perfeição de uma Simone Biles. Torci por Diego Hipólito e por Arthur Nory. Chorei com as medalhas de prata e bronze, com a dupla bandeira do Brasil no pódio, numa vitória improvável sobre Kohei Uchimura, o japonês de elástico.
Vivi a tensão de cada partida de vôlei como se estivesse em quadra, jogando com Fabiana, Fe Garay, Natália, Sheila, Dani Lins, Thaísa, Léia, Jaqueline.... Com elas desabei diante da China, numa derrota inacreditável para quem até então não tinha perdido nenhum set.
Quase não acreditei quando o menino Thiago Braz (da Silva) pediu para levantar a barra a 6m4cm, voou sobre ela como um pássaro no salto com vara e bateu o recorde olímpico, levando o adversário francês a imaginar que tinha sido derrotado pelos orixás.
Pela TV, senti a dor dos gigantes que perdem. Campeões como Nadal e Djokovic chorando feito meninos. A grande Marta desmoronando depois de errar o pênalti – como Messi e Baggio. E se refazendo com a cena de Bárbara salvando a seleção no embate com as australianas. Valentes, essas meninas mostraram que futebol também é esporte de mulher, sim, senhores.Neste domingo, quando as luzes se apagarem, terei apenas um arrependimento: o de não ter ido ao Rio neste agosto irrepetível. De ter perdido a chance única de ver dois deuses – Usain Bolt e Michael Phelps – descerem do Olimpo para brilhar na terra e na água. Arrependo-me de ter deixado passar a oportunidade de ver um espetáculo único, no cenário mais bonito do mundo.
Daqui a quatro anos, é certo que tudo será perfeito no distante Japão, mas faltarão o Cristo Redentor, a baía da Guanabara, a praia de Copacabana, o Pão de Açúcar, a moldura que Deus criou para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.