Quando Joe Biden foi eleito presidente, em 2020, muitos disseram que, enfim, após quatro anos da era Donald Trump no poder, os Estados Unidos regressavam à "normalidade política". O que veio dois meses depois? O 6 de Janeiro, o ataque ao Capitólio, o maior teste de estresse da democracia americana.
Por isso, tenho ressalvas com a expressão "normalidade política", porque ela pressupõe a existência de algo "anormal". Ora, o que seria "anormal"?
Tudo é política - do movimento de bairro à decisão de um governante de ir à guerra. Aliás, como dizia Clausewitz, "a guerra é a continuação da política por outros meios". Até um atentado contra um candidato à presidência é um ato político. Criminoso, diga-se de passagem.
Os EUA que Donald Trump comandará a partir de 20 de janeiro são um país cuja principal preocupação, segundo pesquisa conduzida pela Edison Research feita nesta terça-feira (5), dia de eleição, é a situação da democracia (35%), mais do que a economia, que ficou em segundo lugar (31%). Logo depois, aparecem aborto e imigração, com a política externa ficando por último.
A nação que herdará o presidente eleito vem de um colapso no PIB durante a crise de covid-19, com uma economia que se regenerou fortemente sob Trump - processo e que continuou com Joe Biden. O ritmo com que os preços têm subido, no entanto, é avassalador. Eles aumentaram muito nos dois primeiros anos da gestão Biden, atingindo pico de 9,1% em junho de 2022. Essa não é, entretanto, a pior inflação da história, como alega Trump. Aliás, nos últimos 12 meses caiu para cerca de 3%, embora continue mais alta do que quando o republicano deixou a Casa Branca.
A perda do poder de compra da população, essa sim, preocupa. A renda não cresceu o suficiente para superar as perdas inflacionárias, e a falta de vagas de emprego com bons salários provoca ansiedade na classe média. Há um mal-estar econômico.
Aliás, mal-estar é uma expressão de que gosto para definir o atual estágio da política americana, mais do que normalidade. As questões ideológicas - armas, aborto e imigração também provocam mal-estar. Os EUA estão mais divididos do que nunca - e seguirão assim, mesmo depois da eleição. Há um ambiente polarizado. O mal-estar americano persiste. E sim, isso, infelizmente, também é da política normal.