O jornalista Vitor Netto colabora com o colunista Rodrigo Lopes, titular deste espaço.
A terça-feira (1º) foi marcada por mísseis iranianos cruzando o céu de Israel em mais um episódio do conflito no Oriente Médio. Diante do cenário, motivações e próximos capítulos, a coluna conversou com o professor de Relações Internacionais da EPM SP, Leonardo Trevisan.
Como analisar o cenário do momento?
Primeiro de tudo, precisamos entender dois lados. Há grandes "poréns" nessa história. O primeiro deles é que o Irã, é como qualquer sociedade, está absolutamente dividida. Na última eleição, quando Ebrahim Raisi morreu naquele acidente de helicóptero, os dois candidatos que efetivamente competiram foram Masoud Pezeshkian, que ganhou a eleição com quase 60% dos votos, contra uma posição, Saeed Al-Jalili, que era de extrema rigor, muito radicalizado dentro do Irã. E quando você olha para a posição do Jalili, ele nos últimos dias, depois do ataque do Hezbollah, chegou a desafiar até mesmo a liderança do Ali Khamenei, do Aiatolá, cobrando uma posição política de resposta. Há um cenário doméstico no Irã que tem que ser respeitado. Existe um grupo, principalmente da Guarda Revolucionária, que perderam a eleição e que estão cobrando alguma resposta iraniana. Então, uma direita mais pesada, umas posições mais radicalizadas, cobram posição. O Perseskian, o presidente que eleito e empossado, é um moderado. Ele fala, inclusive, de reabrir as negociações do acordo nuclear. Ele quer pensar em termos de uma posição de um Irã mais moderado. Não é o Jalili. O Jalili representa, ele foi um conjunto de forças, não só de clérigos, como também nas forças armadas iranianas. O segundo, porém, é o preço. Uma guerra com o Israel pode deixar o Irã numa situação muito debilitada. Sem dúvida nenhuma, o poderio militar israelense é muito maior que o iraniano. Israel já deixou uma amostra para o Irã, naquele episódio de abril, em que houve aquela troca cinematográfica de mísseis. Só que nessa resposta, Israel explodiu um edifício do lado da principal central nuclear iraniana. Em outras palavras, mais uma vez, se Israel quiser, a estrutura vai pelos ares. Um ataque iraniano contra Israel será a permissão para que Israel faça esse serviço. Será que o Irã quer pagar esse preço? Esse ponto é fundamental. Tem um terceiro ponto que também é fundamental para analisar: O mundo não acaba nesta guerra. Quando nós olharmos para essa situação, o que é que o Irã percebe? Que quando isso serenar com o Hezbollah e com o Hamas, os Acordos de Abraão, que são os acordos que estavam sendo negociados desde a era Trump para um novo Oriente Médio, quando você olha para esse quadro, o Irã olha para o dia seguinte. Se ele ficar muito fragilizado numa guerra com Israel, quando esse acordo sair, a situação do Irã fica muito pior. E não podemos esquecer um detalhe: os árabes, a luta, os ódios entre sunitas e chiitas, não estão aplacados, de jeito nenhum. Então, se os moderados fazem um acordo com Israel e resolvem essa pendência, vão para cima do Irã. Eles não têm nenhuma dúvida sobre isso. Se eles enfraquecerem demais agora, esse quadro vai precisar dessa força militar para poder se defender até dos irmãos sunitas que querem o pescoço dele. Precisava dar uma resposta? Precisava. Então, esse quadro dá bem a ideia da estrutura de proteção que Israel tem e que o Irã teria tudo a perder num confronto direto. Não é vantagem para o Irã.
Pode se considerar uma guerra maior do que os ataques anteriores?
Só vamos saber isso dentro das próximas horas e dos próximos dias. Se o Irã efetivamente repetir os ataques, insistir com os mísseis. Porque se ele fizer isso, a resposta israelense será maior ainda.
O senhor acha que o envolvimento de outros países, como os Estados Unidos, acaba ampliando esse conflito?
Nós estamos a 35 dias da eleição americana. Neste momento, todo mundo está muito cauteloso, porque ninguém sabe o que as mudanças vão dizer em 5 de novembro. Então, portanto, será muito difícil que os EUA hajam diretamente, vamos imaginar uma escalada que eles hajam. Os americanos estão no Oriente Médio desde antes do 7 de outubro. E depois do 7 de outubro, quando a situação piorou. Portanto, os americanos já estão lá numa situação de proteger Israel, que é diferente de se envolver diretamente. Mas todo israelense sabe, todo americano também sabe, que as relações entre Israel e EUA são por demais sólidas e não vão abandonar Israel, provavelmente nunca.
Essa pode ser considerada a investida israelenses mais tensa dos últimos tempos?
Não há dúvida alguma que Israel está colocando em prática algo que o Acordo de Abraão já estava desenhando, que era uma solução conciliatória, praticamente excluindo a questão palestina desse acordo. Isso é um fato, que todos os analistas reconhecem. Então, ao dizimar a liderança do Hamas, dos 19 líderes do Hezbollah, Israel matou 18. Então, quando você olha, isso não quer dizer que o Hezbollah vai acabar. Isso só significa o poder que Israel tem sobre o controle do Hezbollah. Então, de algum modo, o quadro é de fragilidade da opção palestina. E é, portanto, é nesse quadro que temos de olhar o quadro.
Tem como desenhar os próximos caminhos?
É muito difícil você fazer prognósticos. Mas acho que os iranianos e os israelenses os dois lembram das máximas lá da Grécia Antiga sobre guerra: todo mundo sabe como uma guerra começa, ninguém sabe como é que ela termina. Eu acho que os dois lados devem ter ponderações sobre isso. Portanto, eu acho que só nos próximos dias e, de alguma forma, a previsibilidade nesse contexto, o jogo é muito mais para uma contenção iraniana do que para uma escalada iraniana. Isso me parece bastante visível.
Leia aqui outras colunas.