Haia, Holanda - Que semana na Europa! Guardados os devidos cuidados, muito do que os europeus viveram nos últimos dias irá determinar o futuro de boa parte do continente em um futuro próximo.
Escrevo de Haia, a capital administrativa da Holanda, onde preparo uma reportagem especial para GZH sobre o país que colocou as questões hídricas no centro da política. Aliás, aqui ao lado, na Alemanha, boa parte do Sul e do Sudeste foram inundados devido às cheias dos rios. Não é a primeira vez em um período recente. Nos últimos três anos tem sido assim. Dessa vez, os alagamentos deixaram debaixo d'água importantes e históricas cidades, como Heidelberg, famosa pela universidade que deu ao mundo Max Weber, Robert Bunsen e Georg Friedrich Hegel.
Aqui, nos Países Baixos (esse é o nome oficial da Holanda), alguma preocupação com o nível dos rios.
As chuvas na Alemanha causaram o rompimento de barragens e a evacuação de vilarejos. As zonas mais afetadas situam-se em torno do Danúbio, na Baviera, mas existem alertas de cheias ao longo dos rios Meno, Neckar e Reno, que correm em direção à Holanda. Aliás, o rompimento de barragens reforça a tese dos holandeses com os quais tenho conversado de que essa não é a melhor abordagem para domar os cursos d'água diante das mudanças climáticas. Os rios tendem a subir mais. É preciso que sejamos mais criativos - e, nisso, a engenharia holandesa tem se empenhado.
Você sabem, estou aqui no país que há séculos tomou parte do mar para si a fim de descobrir o que a Holanda tem de bom a compartilhar conosco, gaúchos, aturdidos com nossa tragédia particular. Mas é impossível ficar desconectado de outros assuntos europeus, que, direta ou indiretamente, nos afetam - ou afetarão em breve.
O crescimento da extrema direita no parlamento da União Europeia (UE)é o grande fato político dos últimos dias. Não chega a ser novidade, para quem acompanha a política regional, mas tomou grandes proporções com o pleito da semana passada. Essa onda, com o perdão do trocadilho, já vem, pouco a pouco, tomando os Legislativos nacionais, quando não beliscando a presidência, como na França de Emmanuel Macron e, porque não dizer, de Marine Le Pen.
Aqui na Holanda, um dos países mais liberais do bloco, o Partido pela Liberdade (PVV, na sigla em holandês) foi o mais votado nas eleições legislativas nacionais em novembro. Conhecido por posições anti-Islã e anti-União Europeia, a legenda só agora, sete meses depois do pleito, conseguiu fechar uma aliança para governar. Os partidos de centro deram um "jeitinho" - sim, na Holanda, creiam - de Geert Wilders, o líder do PVV, não governar. Mas a vitória da legenda em uma nação conhecida pela liberdade de imprensa e expressão (onde o uso recreativo de maconha é legalizado, por exemplo) preocupa muita gente, a começar pelos brasileiros que moram aqui. Wilders, que é conhecido como o "Trump holandês", não será o primeiro-ministro. Mas suas ideias irão pairar sobre o Binnenhof. Muitos migrantes já estão com preocupados.
Por falar em Trump, condenado, mas vivíssimo na eleição americana, ele foi o ausente mais presente do encontro do G7, o grupo das sete maiores economias do mundo, que ocorreu na Puglia, Itália - também governada por uma líder de anti-UE, Giorgia Meloni. O tema da guerra da Ucrânia ressurgiu literalmente das cinzas, depois de meses suplantado pelo conflito entre Israel e Hamas. Parece que o mundo redescobriu o conflito, que ameaça a integridade da Europa como um todo e da União Europeia em particular.
O encontro do grupo, do qual o Brasil participou como convidado, reafirmou o apoio contínuo à Ucrânia, comprometendo-se a fornecer cerca de US$ 50 bilhões como auxílio ao país, utilizando receitas dos ativos russos congelados em instituições ocidentais em razão da ocupação. E enviou um recado à China para que interrompa a ajuda financeira que mantém a indústria de guerra russa de pé - aliás, é só por Pequim que Vladimir Putin continue beligerante.
É bom, mesmo, que a UE atue, mais fortemente, unificada, algo pouco habitual a um bloco que experimenta, pela primeira vez, a era pós-imperial. Daí o espectro de Trump. Se ele vencer a eleição de novembro nos EUA, esqueça apoio à Ucrânia. Esqueça paz no Oriente Médio. Esqueça acordos no combate a mudanças climáticas.