
O paulista Riberto Barbanera, 58 anos, está há cerca de quatro meses à frente da CEEE Equatorial. Chegou ao Rio Grande do Sul em agosto, como parte de uma força-tarefa para lidar com os eventos extremos que vinham atingindo o Estado no segundo semestre de 2023. É o terceiro CEO da empresa desde a privatização, em 2021.
Com mais de 40 anos de atuação no setor elétrico, o paulista de Rio Claro atuou, antes do Grupo Equatorial, na Energisa, na CPFL Energia, na Elektro, entre outras companhias.
Em entrevista à coluna, na tarde desta quarta-feira (17), ele explicou o que considera um mal-entendido a dificuldade que o prefeito da Capital, Sebastião Melo, enfrentou ao contatar a empresa para lidar com a emergência na cidade. Também comentou as críticas sobre as demoras no restabelecimento da energia, nos frequentes temporais, e pediu um voto de confiança aos gaúchos.
A seguir, trechos da conversa.
O senhor poderia explicar o episódio em que o prefeito Sebastião Melo teve dificuldade para conversar com a empresa na manhã desta quarta-feira (17)?
Conversei com Melo hoje (quarta-feira, 17) já duas a três vezes. Quero atribuir isso que aconteceu a um problema pontual. A sociedade de forma geral está sentindo isso: por tudo o que aconteceu, até as operadoras de telefonia estão complicadas. Aqui na Equatorial, nossos veículos estão em contato com o centro de operação por meio de rádio. Quero acreditar que o prefeito tentou fazer uma ligação e, infelizmente, não teve sucesso. Atribuo isso a um problema de comunicação que todo mundo está vivenciando. O Dmae tem contato direto com o nosso centro de operações, os diretores do órgão têm nossos telefones, nós temos os deles. Melo tem meu telefone, eu tenho o dele. Os canais de comunicação são muito abertos, temos um contato muito próximo com a prefeitura. Já tive quatro a cinco vezes no gabinete de Melo. Nosso relacionamento é muito bom, próximo, temos feito um trabalho de parcerias. Melo tem uma questão elogiável, de resolver o problema de fiação de telefone na rede. Tenho demandado a ele a importância de a prefeitura cuidar da arborização da cidade. O efeito de grande parte do que estamos sentindo hoje se deve à arborização que caiu, afetou cabos, os rompeu, ou derrubou postes. Hoje, a gente tem uma severidade enorme para tratar em Porto Alegre em grande medida devido à arborização. Não que a árvore em si seja um problema, mas a gente precisa fazer com que as coisas convivam pacificamente, tanto meio ambiente quanto rede elétrica são importantes.
Uma reclamação frequente dos clientes é que, ao entrar em contato com a CEEE Equatorial, não se consegue conversar com uma pessoa. Fala-se com uma máquina. O que a empresa tem a dizer sobre isso?
A gente tem modelos de call centers, de empresas diversas espalhadas por todo o país. Mas a CEEE Equatorial especificamente mantém o call center aqui em Porto Alegre. O atendimento dos clientes da Capital não são feitos de outro local. Além da central, o que a gente tem feito cada vez mais é diversificar nosso atendimento: WhatsApp, SMS, mídias sociais, site, agência presencial em todos os 72 municípios de concessão. Acredito que possa acontecer, eventualmente, um telefone ocupado. Por isso, a gente oferece meios alternativos. Hoje, basta enviar uma mensagem de WhatsApp escrito "luz", e a gente já registra a falta de energia.
Outra reclamação é que a CEEE Equatorial não costuma dar uma previsão de retorno da luz. Por quê?
Não é que a gente não dá previsão de retorno. Se você liga porque está com falta de energia, posso te dar uma previsão: "Vou resolver o teu problema em uma hora". Só que, ao chegar na frente da tua casa, pode haver cinco postes caídos. A previsão que te dei vai frustrar. A gente procura dar uma previsão de retorno, mas só a partir do momento em que tenho um diagnóstico do que aconteceu no local. Mas existe um período, que a gente chama de "tempo cego", do momento em que o cliente ligou até a hora em que a equipe identifica o que ocorreu no local. Nesse período, é uma previsão cega. A gente evita dar uma previsão nesse período. Evitamos essa informação equivocada. Estamos em uma situação atual que, para reerguer meus postes, emendar cabos, esticar e energizar, dependo que empresa, prefeitura, terceirizados, cortem a árvore, a serre, retire os galhos, para que eu possa trabalhar. Por isso, temos certo cuidado com a previsão.
Os porto-alegrenses se orgulham de viver em uma das capitais mais arborizadas do país. Não é estranho atribuir às árvores o problema?
Logo que cheguei aqui, uma das coisas que notei foi exatamente a arborização de Porto Alegre. Diga-se de passagem, uma beleza. Por isso, falo que não é uma questão de acabar com as árvores. É uma questão de convívio. Hoje, a gente tem tecnologia de rede. Na "rede nua", a hora em que o galho (da árvore) tocar e empurrar, vai desligar. Na rede isolada, não. A CEEE pode colocar rede isolada em tudo? Pode, mas não se faz isso da noite para o dia. Temos também a possibilidade da rede subterrânea, hoje já existente no centro de Porto Alegre. Mas há uma questão de investimento associado a isso. O modelo do setor elétrico é que, se faço investimento, ele vai para a tarifa do consumidor final pagar.
O Grupo Equatorial é conhecido por assumir empresas com maus indicadores e reestruturá-las para operar melhor. Mas só reduzir o tamanho da operação não parece suficiente diante dos desafios das mudanças climáticas. É preciso investimentos. Como equalizar?
Quando o grupo adquiriu a CEEE, em 2021, a estatal já vinha de problemas estruturantes, com falta de investimento. Você tem um Estado desenvolvido, cuja economia cresce a cada ano. Esses crescimento e desenvolvimento estão ligados ao consumo de energia. Para suprir esse aumento, a gente precisa investir em infraestrutura, e a CEEE pública não fazia isso havia muitos anos. Ou seja, você tinha um Estado crescente por demanda e uma empresa que não investia nesses preparativos. Isso foi se afunilando, e onde se paga o preço desse descasamento? Na qualidade de fornecimento. O sistema elétrico vai entrar em colapso, vai ficar sobrecarregado. Isso foi o que a gente identificou. Fizemos um programa de investimentos, e hoje a gente já investiu no Estado quase R$ 1,5 bilhão em obras estruturantes: subestação, transformador de maior potência, entre outras. Agora, é um atraso de 20 anos, um passivo que não se resolve em dois. Estamos correndo contra o tempo. Em 2021, a gente olhou para oportunidades de eficiência. E começou-se a trabalhar nessa eficiência. O que aconteceu em 2023 (os eventos extremos) foi atípico. A gente tinha desenhado um modelo de operação pautado num histórico, e o segundo semestre de 2023 teve uma condição climática muito mais severa do que se estava habituado. A gente viu o quanto essa rede era muito mais frágil do que imaginávamos.
Vocês mudaram os planos?
A gente intensificou o plano de investimento, já levamos para aprovação, para os próximos três anos. Aumenta a proposta de investimento, com novas obras. Entendemos que, diante dessa severidade climática, a gente precisa de mais força de trabalho. Já aprovamos aumento de quadro.
De quanto será o aumento no investimento?
Ainda não tenho isso traduzido em reais, estamos na discussão dos projetos técnicos, do que é necessário fazer, validando-os com nossas áreas de engenharia. Concluída essa análise, a gente parte para precificação.
O serviço da CEEE estatal era muito ruim. Mas quando ocorrem episódios como os de terça-feira, muitas pessoas criticam a privatização. A operação no RS é a mais difícil do Grupo Equatorial no país?
Cada concessão tem suas particularidades. Não acho que seja a mais difícil. Tem uma particularidade, que é a questão de efeitos climáticos, que coloca desafios diferentes para a distribuidora. Trabalhei por anos no Mato Grosso, eu tinha de operar na Floresta Amazônica e no Pantanal. É a mesma coisa? Não. Tem dificuldade? Tem. São outras. O grupo é reconhecido por transformar empresas, pegar companhias insolúveis e trazer soluções. Esse é o trabalho que a gente veio fazer aqui, transformar a CEEE também. Isso não se faz da noite para o dia, por mais que se queira. Ouço pessoas dizerem "privatizou piorou". Eu lanço mão de usar o exemplo da coirmã vizinha: RGE e RGE Sul, na origem, eram a mesma CEEE. Elas estão privatizadas há pelo menos 20 anos. Você está me dizendo que vai demorar 20 anos (para a CEEE Equatorial ter uma operação mais eficiente)? De maneira alguma. A gente já entrou sabendo dos requisitos, de que precisamos acelerar. Nosso compromisso é fazer esse trabalho em curto prazo para estarmos nos mesmos patamares das empresas privatizadas há mais tempo.
O senhor está pedindo um voto de confiança aos gaúchos?
Você simplificou em uma frase o que eu tentei dizer. É exatamente isso. A gente precisa desse voto de confiança. Comecei minha carreira como eletricista, e uma das coisas que me chamou atenção aqui é a capacitação do corpo técnico nessa empresa. Tem tudo para dar certo. Faltava recurso para investimento, agora tem. Temos corpo técnico, equipes contratadas, parceiros de negócios bons. Precisamos de tempo para virar o jogo, e esse voto de confiança é necessário nessa hora.
Vocês trouxeram pessoas de fora para trabalhar no Estado a partir da crise das últimas horas. Faltou gente na empresa? Tem algo a ver com a saída dos funcionários no plano de demissão voluntária?
Não tem nada a ver (com o PDV). Quando a gente desenhou a estrutura atual da CEEE o fizemos com base em um histórico muito diferente do que aconteceu em 2023. A empresa foi dimensionada adequadamente para operar naquela condição. Em 2023, veio uma sequência de eventos mais severos, a gente identifica isso e imediatamente já aumenta o número de equipes. E hoje estamos com número de equipes aumentado para uma operação regular diferente do que era a anterior. Agora, no evento de terça-feira, não. É muito fora da curva. Nenhuma empresa dimensiona seus recursos para uma ocorrência tão fora do normal. Como estamos diante de um evento fora do normal, com nossos recursos, demoraríamos mais para resolver, tomamos essa decisão. Fizemos contato com os demais presidentes do grupo, coloquei a situação e solicitamos a vinda de equipes de fora para esse momento atípico. Esses eletricistas, técnicos e engenheiros já estão se deslocando para cá, por via aérea, até na noite de hoje (quarta-feira, 17), já devem estar aqui. A partir de amanhã (quinta-feira, 18), eles se juntam à força-tarefa. São 50 equipes de fora: cerca de cem eletricistas, além de um público de 15 a 20 técnicos e engenheiros.
O senhor é o terceiro presidente desde a privatização. O que a empresa delegou ao senhor como missão?
Meu maior compromisso é transformar a CEEE para colocá-la nos padrões de qualidade que a sociedade gaúcha requer. Cheguei ao Grupo Equatorial em janeiro do ano passado, trabalhei em São Paulo, Rio Grande do Sul, Tocantins, Rondônia, Mato Grosso do Sul. Essa experiência me credenciou e direcionou para cá. A gente tem um foco muito grande na qualidade do serviço, e vamos fazer os investimentos certos do jeito certo para o retorno que a sociedade espera e merece.