Apesar dos contextos diferentes de cada país, a vitória de Javier Milei na Argentina, rompendo um ciclo histórico de peronistas e macristas no poder, dará um gás a personalidades políticas como Donald Trump, nos Estados Unidos, e Jair Bolsonaro, no Brasil. Milei não é Trump nem Bolsonaro, que fique claro. Ele próprio se declara um anarcocapitalista, uma autodefinição que nem o americano nem o brasileiro arriscaram fazer, e, imagino, sequer saibam o significado. Mas o mesmo caldo ideológico está lá: alguém que se define como questionador da ordem política vigente, um outsider, o anti-establishment, oriundo de um movimento político da direita ao qual poucos davam crédito até antes do sprint final da corrida eleiroral.
Ainda que se declare assim, Milei não é de todo diferente de figuras às quais estamos, na América Latina, acostumados - e a Argentina, em especial, é pródiga em parir presidentes dessa estirpe. Apesar da roupagem diferentona, do cabelo ao uso das redes sociais para fins políticos, Milei é mais um populista a sentar-se no Sillón de Rivadavia, a cadeira presidencial da Casa Rosada.
Como seus pares, Trump e Bolsonaro, ele elegeu como inimigos de campanha uma suposta "casta". Mas, também como o americano e o brasileiro, o argentino conhece bem o sistema e aproveita-se desse know-how para dizer o quanto o mesmo discrimina a maioria da população. Isso faz dos três a encarnação do Redentor, do "Salvador da Pátria", aos quais americanos, brasileiros e... argentinos muitas vezes esperam, até anseiam.
Some-se a essa postura, Trump, Bolsonaro e Milei alimentam a ideia de um desprezo total pelo politicamente correto, pelo protocolo vigente no que consideram "pântano", respectivamente, Washington, Brasília e Buenos Aires. Em comum, ainda, os três lançam mão do constante estado de guerra: o tom belicoso para permanente conexão com os seus eleitores.
O americano é pré-candidato às eleições do ano que vem nos EUA, se a Justiça permitir. O brasileiro está inelegível até 2030.
Nos EUA e no Brasil, esse estilo, mais de forma e menos de conteúdo, funcionou para Trump e Bolsonaro por quatro anos. Vamos ver por quanto tempo vai durar na Argentina, um país que, apesar de estar resignado com os sobressaltos econômicos, não costuma ter muita tolerância com presidentes dispostos a experimentos políticos heterodoxos.