Em 2003, escrevi uma série de reportagens chamada "Uma nova chance para a Argentina". O país fora às urnas para sepultar 10 anos da era Carlos Menem no poder e encerrar um capítulo dramático de sua história: a crise deflagrada pela renúncia de Fernando de la Rúa, que levou a nação vizinha a ter cinco presidentes entre 21 de dezembro de 2001 e 2 de janeiro de 2002. A eleição de 2003 era, na minha visão de repórter iniciante, "uma nova chance para a Argentina".
Ao longo dos últimos 20 anos, evitei repetir aquele título muitas vezes, mas a verdade é que, em um país imerso em um looping de crises econômicas, toda eleição entre os hermanos é uma nova chance. A deste 2023 não é diferente.
Desta vez, no entanto, a Argentina que volta às urnas enfrenta uma situação, incrivelmente, tão difícil quanto aquela de 2003. Entre os diversos indicadores econômicos, o mais assustador é a inflação de 100% ao ano.
O primeiro turno presidencial ocorrerá em 22 de outubro, mas boa parte do cenário político que virá começa a ser desenhado já no próximo domingo. Pela legislação eleitoral, todas as coligações que disputarão a Casa Rosada precisam realizar as chamadas Paso (Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias). Mesmo partidos ou grupos políticos com candidato único passam pelas prévias, e, entre os eleitores, o voto é obrigatório.
Uma das novidades é que, neste ano, nenhum dos nomes mais conhecidos à direita ou à esquerda estará no páreo. Pelo lado do peronismo, o atual presidente, Alberto Fernández, com apenas 18% de aprovação, não tentará a reeleição. Sua vice, a ex-presidente Cristina Kirchner, acusada de corrupção, também não concorrerá. Na oposição, o ex-presidente Mauricio Macri também está fora.
Mas não se engane: a Argentina repetirá a velha disputa entre os herdeiros de Juan Domingo Perón, unidos na coalizão União pela Pátria, e a centro-direita Juntos pela Mudança, coligação entre a direita tradicional da União Cívica Radical (UCR) e o Proposta Republicana (PRO).
Embora o governo tenha fechado apoio à candidatura do ministro da Economia, Sergio Massa, o advogado Juan Grabois reivindica ser o verdadeiro discípulo peronista. Os dois disputarão a vaga da União pela Pária. A centro-direita chega às prévias tendo como favorita Patricia Bullrich, ex-ministra de De la Rúa e Macri, que disputa a vaga com o prefeito de Buenos Aires, Horacio Larreta. Entre outros candidatos está o anti-establishment Javier Milei, admirador de Donald Trump que ganhou, nesta semana, apoio em redes sociais de Eduardo Bolsonaro, deputado e filho do ex-presidente Jair Bolsonaro. Milei chegou a ter 25% das intenções de voto em maio, mas seu favoritismo começou a cair.
As pesquisas estão proibidas desde sábado (5). Na última, do instituto Federico González & Associados, Massa tinha 23,8%, Patricia, 20,1%, e Milei, 19,5%. Nessas condições, haveria segundo turno, a ser realizado em 19 de novembro. O candidato governista estar lá. Se sua adversária for Patricia, a oposição tem grandes chances de virar o jogo sobre Massa e voltar à Casa Rosada, absorvendo os votos da extrema direita de Milei, que parece ter atingido seu teto.