Um povo cansado, sofrido e maltratado por seus governantes, da direita de Mauricio Macri à esquerda de Alberto Fernández, merece Copa do Mundo. O que se vê nas ruas de Buenos Aires, da Rosário de Lionel Messi aos grotões patagônicos, é uma população extravasar não só sua paixão pelo futebol, mas seu nacionalismo, um grito raro de alegria em um vale econômico e político de lágrimas.
Cubro a Argentina desde 2003, sou apaixonado pela capital federal, acho que os gaúchos têm muito mais a ver com os hermanos do que com o Rio de Janeiro ou São Paulo, e, confesso, nunca consegui dar uma manchete positiva sobre a situação no país vizinho, carcomido pelo populismo de Juan Domingo Perón, de Carlos Menem e do casal Kirchner.
A pandemia de covid-19 veio como pá de cal na economia argentina, que já sofre, historicamente com inflação alta, pobreza e desigualdade social, desemprego e fuga de capitais. O país viveu um dos mais longos lockdowns do mundo no auge do coronavírus, o que aprofundou as mazelas. A inflação em 12 meses, em novembro, soma 92,4%. A taxa básica de juro, mecanismo do governo para controlá-la, alcança 75% ao ano. O peso está, quase como de costume, desvalorizado, o que obriga os argentinos a correrem, também como de costume, à moeda de sua confiança, o dólar.
Que o título no Catar, além da autoestima, aumente, ao menos o soft power argentino - o poder suave, aquele não tangível, que foge à força militar. Obviamente, o governo de plantão, na Casa Rosada, tirará uma casquinha do sucesso de Messi e companhia. É assim, é do jogo, e, fosse no Brasil, também o presidente atual surfaria no sucesso do time em campo.
Uma pesquisa publicada em setembro pela Social Science Research Network, por um pesquisador da Universidade de Surrey, Reino Unido, concluiu que o país que ganha uma Copa tende a receber um impulso econômico. Pelo cálculo do estudo, o incremento é de 0,25 ponto percentual a mais no crescimento do país nos dois trimestres após o torneio. É pouco. Mas é muito. Talvez sem saber, Messi e companhia tenham ajudado sua população para além da alegria desses dias. Ainda que indiretamente.