Ninguém, salvo aqueles mal-intencionados que bradam "Palestina, do Rio ao Mar", ou seja, a aniquilação de Israel, discorda do direito de os israelenses responderem ao ataque terrorista do infame 7 de outubro. Agora, é preciso pensar no depois. Quando (e se) tudo acabar, com o Hamas neutralizado em Gaza e, oxalá, a maioria dos reféns voltar a seus lares, Israel terá de lidar com o dia seguinte.
O que virá vai depender muito do que o governo Benjamin Netanyahu fizer hoje, no aqui e agora. Israel tem duas formas de lidar com o terrorismo do Hamas: sozinho ou com apoio internacional. Pelas ações de um mês e meio de guerra, pode-se depreender que preferiu a primeira opção. Cada vez que invade um hospital ou aborda uma ambulância, desrespeitando o Direito Internacional, Israel está dinamitando pontes com interlocutores que, na manhã seguinte ao fim dos fanáticos do Hamas, serão fundamentais.
Estivesse Netanyahu preocupado em garantir que nunca mais a tragédia do dia 7 de outubro se repetirá, ele buscaria construir a única paz possível, ainda que não perpétua: a existência de dois Estados, um israelense e outro palestino. No caso palestino, com fronteiras legítimas, soberania, governo e segurança nas mãos da Autoridade Nacional Palestina (ANP).
Da forma como Israel decidiu fazer a guerra, corre vários riscos: o primeiro é tornar a ANP, o único interlocutor confiável entre palestinos, vítima do conflito. A cada criança que morre em Gaza, nascem 10 famílias palestinas dispostas a dar seus filhos para a Jihad, como escutei de uma mãe em relação ao Hezbollah, no sul do Líbano, em 2006. Se assim continuar, a Cisjordânia vai, em breve, se tornar uma nova Gaza — e Israel vai entregar os palestinos moderados, o cidadão comum, que só quer viver sua vida e ver seus filhos crescerem, nos braços do Hamas.
A cada apelo ignorado por cessar-fogo ou corredor humanitário, ou a cada resolução da ONU desobedecida, o país, única democracia consolidada do Oriente Médio, perde apoio internacional que será fundamental para o dia seguinte à guerra. Quando o Hamas for defenestrado, Israel vai precisar da ANP para administrar Gaza — em um modelo ideal, haveria a saída gradual das Forças de Defesa israelenses e a entrega do poder aos moderados da Fatah. A ANP é parte da solução de longo prazo.
Agindo sozinho, Israel corre o risco de mandar pelos ares os Acordos de Abraão, que levaram ao restabelecimento de relações com Emirados Árabes Unidos e Bahrein. A Arábia Saudita, berço do Islã e território onde ficam as duas cidades sagradas, Meca e Medina, era o próximo. É isso o que o Irã xiita deseja.
Israel precisa de apoio regional, em especial dos árabes com quem selou convivência, para a injeção de dinheiro para reconstruir Gaza no dia seguinte — um sonho seria as ricas monarquias do Golfo injetando seus petrodólares e doando máquinas, know-how e mão de obra para reerguer, das ruínas, o território. A área é equivalente à metade de Porto Alegre, quase nada para quem construiu, da noite para o dia, uma Dubai ou uma Abu Dhabi, por exemplo.
Mas esse apoio só virá se a política de Netanyahu mudar: se houver comprometimento com a estabilização e a reconstrução dos territórios palestinos, a contenção dos colonos na Cisjordânia, o congelamento dos assentamentos e um empoderamento da ANP. Isso passa por desagradar integrantes da aliança governista, que inclui os religiosos, cuja base de apoio está nas colônias.
Mas, como se sabe, Netanyahu não está tão preocupado com a segurança de Israel — tampouco com a paz. Sua única preocupação é com o poder.