Em abril de 2022, um mês depois de retornar da guerra no Leste Europeu, escrevi a coluna cujo título era: "E se o papa Francisco entrasse em campo para mediar a paz com entre Rússia e Ucrânia?" Àquela altura, o Pontífice fizera sinais importantes como líder político que também é: beijara uma surrada bandeira azul e amarela do país invadido, que teria chegado a suas mãos trazida de Bucha, uma das cidades nos arredores de Kiev destroçadas pelo conflito.
- Parem com essa guerra. Que as armas fiquem em silêncio - pediu.
Mais do que o matraquear das metralhadoras, naquele momento, outra dificuldade se impunha para uma possível mediação do Vaticano: a Igreja Ortodoxa russa rompeu com Roma há quase mil anos, o Kremlin e os ortodoxos têm uma relação carnal e Kiril, o patriarca e principal líder dessa fé, deu o endosso religioso às ações mundanas de Vladimir Putin.
Ainda assim, apesar do meu pessimismo, sempre há uma ponta de esperança. Francisco teve atuação fundamental na aproximação entre Estados Unidos e Cuba, em 2014, depois de mais de 50 anos de afastamento diplomático. Sou pessimista em relação às ambições de Lula de mediar a paz entre Rússia e Ucrânia porque acredito que o Brasil marcaria mais gols diplomáticos se estivesse preocupado com temas a seu alcance como líder do América Latina, do chamado Sul Global, representativo entre os países de língua portuguesa e desempenhando papel fundamental na agenda ambiental. Não arvorando-se em um duelo de titãs como a Ucrânia, que opõe, em última análise, China e EUA. O fracasso da tentativa de solucionar o impasse nuclear entre EUA e Irã, em 2010, no segundo mandato de Lula, sempre assombra. Também não estou entre os que acham possível a paz entre Rússia e Ucrânia. No máximo, imagino um cessar-fogo parido a fórceps.
Mas o que Francisco espera, então, do Brasil? Lula, assim como o cubano Miguel Díaz-Canel, com quem o papa se encontrou nesta terça-feira (2), são dois líderes latino-americanos que mantém algum nível de relação com Putin. Ambos receberam, por exemplo, Serguei Lavrov, o chanceler russo, em seu périplo recente pelo continente. No mínimo, a Santa Sé busca estabelecer um canal com Moscou a fim de enviar o cardeal italiano Matteo Zuppi para algum diálogo com Putin. Ele já foi a Kiev, no início do mês.
O presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, já desdenhou das tentativas de Lula ao dizer que o único plano possível para a paz é o seu próprio. Qualquer análise futura foi, de antemão, contaminada pelas declarações infelizes do brasileiro, que colocou no mesmo lado da balança Rússia e Ucrânia como responsáveis pelo conflito. O principal entrave é a disputa territorial. A Rússia diz que vai lutar até que todos os objetivos sejam alcançados, enquanto a Ucrânia afirma que só senta para conversar quando todos os soldados russos forem expulsos de seu território. Além da Crimeia anexada em 2014, estamos falando de Donetsk, Luhansk, Zaporizhia e Kherson.
O sucesso do plano de Francisco pode residir justamente no fato de não ter um plano para a paz. A priori, ao menos para isso, não há rejeição.