Pela escola de Lula, tudo se resolve na base da amizade, da conversa ao pé do ouvido e do tapinha nas costas. Quando o presidente, em seu programa semanal, diz que viajará à França para conversar com Emmanuel Macron sobre a decisão da Assembleia Nacional de aprovar uma resolução que entrava o acordo Mercosul-União Europeia (UE), o brasileiro segue essa lógica: em sua mente, ele entrará Palácio do Eliseu, em Paris, beberá um café ou vinho tinto com Macron e sairá de lá com promessas de que tudo está, por fim, solucionado.
Em relações internacionais não é assim. A diplomacia presidencial até ajuda. Mas não é determinante na mesa de negociações.
Lula esquece algumas premissas. A primeira: a França é um ator importante na UE, uma das locomotivas políticas do bloco (junto com a Alemanha, que lidera a economia), mas é exatamente isso: um entre 27 Estados que compõem a união supranacional. Nada avança sem que TODOS os países do bloco aprovem qualquer decisão sobre livre comércio. Mais: nada avança também se CADA um dos membros não internalizarem o texto de qualquer acordo.
O que isso significa: que não basta a UE aprovar como bloco qualquer documento. É necessário que cada um dos 27 membros o transformem em lei. É aí que o bicho pega. A decisão do parlamento francês é apenas uma amostra dessa dificuldade.
Lula também esquece que pouco adianta conversar com Macron, que, aliás, não anda muito bem visto em seu país. Apenas alguns meses atrás, ele lançou mão de uma medida autoritária para fazer passar sua reforma da Previdência, diante do cenário de derrota que se vislumbrava na Assembleia Nacional. Macron é o presidente, mas pouco faz sem o parlamento - o qual ele atropelou recentemente.
Há um outro componente aí: Macron vive queda de aprovação, principalmente depois de mostrar sua mão de ferro para fazer avançar a reforma, que foi extremamente impopular.
Os deputados avaliaram que o texto fere o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas. Não é só uma medida "bonita". Sabe-se que, no mundo atual e cada vez mais, qualquer negociação prevê garantias ambientais. Mas, também como se sabe, por trás das prerrogativas verdes, há também o velho protecionismo dos grotões franceses. No plano doméstico, dificilmente macron cederá ao lobby do poderoso setor do agronegócio.
Até aqui, falei apenas de um país do bloco, a França. Mas, na UE como um todo, o cenário não é muito diferente em relação ao tratado com o Mercosul. Na semana passada, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, esteve em Brasília em uma conversa nada amena com o governo brasileiro. O clima é de desconfiança dos dois lados. Se por um lado os negociadores brasileiros não aceitaram a "side letter" (carta adicional), com promessas de sanções que podem levar ao banimento de produtos agrícolas e industriais brasileiros do mercado, por outro os europeus suspeitam do plano de Lula de manter o fomento à indústria nacional, por meio da política de compras públicas. A questão ambiental é só cortina de fumaça.