O Superior Tribunal de Justiça (STJ) aceitou o pedido da Justiça italiana e irá analisar se o coronel reformado Pedro Antonio Mato Narbondo, condenado pelo Tribunal de Roma à prisão perpétua por crimes cometidos durante as ditaduras no Cone Sul, deverá cumprir pena no Brasil. Narbondo nasceu em Rivera, no Uruguai, mas tem cidadania brasileira graças à mãe desde 2003, e, aos 81 anos, vive em Santana do Livramento, na Fronteira Oeste.
No país europeu, o militar reformado foi condenado em julho de 2019 pelo assassinato e desaparecimento de quatro cidadãos italianos, entre 1970 e 1980, na Argentina. São eles Bernardo Arnone, Gerardo Gatti, Juan Pablo Recagno Ibarburu e María Emilia Islas Gatti de Zaffaroni.
O processo transitou em julgado, ou seja, quando não cabem mais recursos, em julho de 2021. Os crimes ocorreram no âmbito da Operação Condor, a união dos aparatos repressivos das ditaduras do Cone Sul para prender, torturar e matar opositores políticos.
- Esse caso pode servir de paradigma. Estou nessa luta desde 2014, quando o localizei em Santana do Livramento e o denunciei à Justiça italiana. Tenho trabalhado há quase 10 anos nisso e tenho toda a investigação. Talvez a gente agora, no rastro do caso Robinho, isso prospere. Ele está condenado, com processo transitado em julgado na Justiça italiana - afirma o presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Jair Krishke.
A referência ao jogador Robinho também é citada pelo STJ. Ele foi condenado a nove anos de prisão por estupro durante uma balada na Itália e teve a citação determinada pela presidente da Corte no dia 23. Nos dois casos, por serem brasileiros, os condenados não podem ser extraditados, razão pelas qual a Itália está pedindo que as penas sejam cumpridas no Brasil.
Na terça-feira (28), a presidente do STJ, ministra Maria Thereza de Assis Moura, decidiu aceitar analisar o pedido do Tribunal de Roma, encaminhado à Justiça brasileira em dezembro do ano passado e assinado pelo ministro da Justiça, Carlo Nordio. Ela determinou a citação de Narbondo para que ele possa, se quiser, contestar o pedido italiano. A Constituição do Brasil proíbe a extradição de nacionais. Por isso, mesmo condenado na Itália, o oficial reformado permanece livre no Brasil. Ao analisar o pedido, a ministra Maria Thereza destacou que, embora os assassinatos tenham ocorrido na Argentina, o Código Penal italiano confere à Justiça do país a competência para o processamento de crimes políticos cometidos no Exterior, incluindo contra os direitos humanos, previstos em convenções internacionais.
Como o Código Penal Brasileiro não prevê prisão perpétua, uma vez aceito que Narbondo cumpra a condenação no Brasil, haverá comutação da pena.
- No Brasil, teria de ser feita adequação de pena, como aqui não tem prisão perpétua, receberia pena de, no máximo, 30 anos. Mas isso é secundário, a punição é que seria importante - avalia Krischke.
Em 2019, houve condenação à prisão perpétua em primeiro grau e uma multa de indenização às vítimas. O recurso foi à apreciação da Corte de Apelação, que não modificou a sentença. Krishke prevê que a defesa do militar irá alegar prescrição.
- Só que esses crimes que ele cometeu na Operação Condor são de desaparição é permanente, é um crime continuado. Por isso, não prescreveu. Além do mais, o Brasil é signatário de convenções internacionais em que considera crime de lesa-humanidade um crime imprescritível, portanto insuscetível de graça ou benefício. Estamos muitos entusiasmados com o fato de que a presidente do STJ recebeu a solicitação, poderia ter negado. Mas ela acolheu. Olhamos com muita esperança. É um momento especial para a Justiça brasileira redimir-se de sua omissão de crimes de lesa-humanidade e violação dos direitos humanos. Abre-se uma porta importantíssima. Espero que esse senhor responda na prisão pelos crimes hediondos que cometeu - diz Kricshke.
A coluna tenta contato com a defesa do coronel Narbondo, mas não obteve, até o momento, resposta.