Antes de tudo, ao ler essa título, a primeira pergunta que você deve estar se fazendo é: "Mas, afinal, Benjamin Netanyahu não estava fora da política israelense?"
Estava. Mas só por um ano. É impressionante a capacidade de sobrevivência de Bibi, como ele é conhecido em Israel. Aos 73 anos, Netanyahu é o político que por mais tempo liderou o governo de Israel, com 15 anos divididos em dois mandatos (1996-1999 e 2009-2021).
Ele está até o pescoço envolvido em suspeitas de corrupção, mas, em Israel, diferentemente do Brasil e de boa parte do mundo ocidental, o chefe do Executivo não é afastado enquanto couber recursos na Justiça. Netanyahu deixou o poder em 2021, dando lugar a uma coalizão eclética de políticos de esquerda, centristas e partidos árabes liderada por Naftali Bennett e Yair Lapid.
Após as últimas eleições (sim, porque houve várias e esse é outro assunto complicado que já expliquei aqui), Netanyahu começou a negociar com partidos ultraortodoxos e de extrema direita, como o Partido Sionista Religioso, de Bezalel Smotrich, e o Poder Judaico, de Itamar Ben Gvir. Resultado: não apenas conseguiu voltar ao poder como também lidera o governo mais conservador da história de Israel.
Entronado, Netanyahu deflagrou uma ofensiva típica de líderes autoritários - de esquerda ou direita - contra os demais Poderes. Como lá ele já tem maioria na Knesset, o parlamento, e comanda, por isso, o Executivo, lançou-se contra o Judiciário.
Daí o tema desta coluna: o que exatamente Netanyahu fez e qual a razão de seus atos significarem um ataque à democracia?
Na prática, com seu projeto, ele ampliaria os poderes do Executivo sobre o Judiciário, alterando o famoso equilíbrio entre os Poderes (pesos e contrapesos, princípio basilar de qualquer regime democrático). São basicamente três mecanismos:
1) Altera a forma como os juízes da Suprema Corte são escolhidos. Hoje, há um comitê formado por nove integrantes (três do governo, três do parlamento e três da própria Justiça). Para que um magistrado da mais alta Corte do país seja escolhido, são necessários, no mínimo, sete votos. A reforma de Netanyahu propõe que esse mínimo seja diminuído para seis votos. Além disso, o plano aumenta o número de representantes do governo para seis, exatamente o necessário para escolher o magistrado. É como se o Executivo tivesse maioria automática para selecionar o juiz.
2) Pela legislação israelense, a Suprema corte pode derrubar leis aprovadas pela Knesset se entender que elas ferem a Constituição. Com a reforma, o parlamento poderia derrubar a decisão dos juízes, ou seja, a Knesset teria a palavra final.
3) A reforma retira da procuradoria-geral o poder de declarar o primeiro-ministro incapacitado de exercer o cargo por suspeitas de corrupção. Com a reforma, caberia ao próprio gabinete decidir isso - e o caso iria, diretamente, para votação no parlamento. A exceção seria em caso de problemas de saúde, em que a procuradoria poderia declarar incapacidade do governante. Detalhe 1: o gabinete é, obviamente, o governo. Detalhe 2: o parlamento está nas mãos do governo. Detalhe 3: é justamente de corrupção que Netanyahu é acusado.
Diante dos protestos dos últimos dias, Netanyahu recuou, mas a proposta não morreu. Vai voltar em breve.