Entre esta segunda-feira (27) e quinta-feira (30), cerca de 10 mil prefeitos, vice-prefeitos, secretários municipais e vereadores participam da 24ª Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios.
Idealizador da iniciativa desde 1998 e atual presidente da Confederação Nacional dos Municípios (NCM), o ex-prefeito de Mariana Pimentel Paulo Ziulkoski, prevê, além de público recorde, discussões de impacto no dia a dia dos gestores locais. Em entrevista à coluna, ele critica o fato de que, na sua visão, os debates políticos estejam muito focadas em temas nacionais, com pouca atenção aos municípios, em grande parte os responsáveis por executar as medidas definidas pela União.
- Esqueceram o braço executor da área social toda: saúde, educação, assistência social, vacinação, Bolsa Família, tudo é o município que faz - afirma.
Do Rio Grande do Sul, devem se deslocar a Brasília quase 800 representantes municipais, entre eles 300 prefeitos.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Quais são as demandas da Marcha este ano?
Hoje, não é mais uma marcha no sentido de protestar. Tornou-se um conclave, um dos maiores eventos do mundo em termos de autoridades reunidas. Não há outros países federados que conseguem mobilizar tantos prefeitos, vice-prefeitos e secretários. Trabalhamos mais na questão da estruturação da federação. Nossa conduta acaba tendo ressonância e respaldo, tendo em vista que 5,2 mil municípios são filiados e 4,9 mil pagam mensalidade de forma espontânea. A gente tem evoluído muito. Das 127 emendas Constitucionais no Brasil desde 1988, nós fizemos mais de 14, fruto dessas marchas. Aperfeiçoamos a questão do pacto federativo. Essa marcha, agora, tem outro perfil, porque, no ano passado, 40% dos municípios fecharam no vermelho. E vem o final do mandato no ano que vem. Transgredir a Lei de Responsabilidade Fiscal é crime. Estamos alertando os prefeitos sobre isso. Vamos apresentar uma realidade assustadora. No Brasil, só se discute a política nacional. Esqueceram o braço executor da área social: saúde, educação, assistência social, vacinação, Bolsa Família, tudo é o município que faz.
O senhor pode dar um exemplo dessa cenário de dificuldade?
Na área da assistência social, quem faz todo o cadastro dos usuários do Bolsa Família são os CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) e os CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social). Há cerca de 8 mil no Brasil. Ali dentro, tem funcionários pagos pela prefeitura que estão ali para receber a comunidade e fazer os cadastros. Tu imaginas o exército que precisamos só nesse item para fazer isso. Na outra ponta, o município precisa informar a frequência escolar. No Bolsa Família, tem de estar frequentando o colégio para receber a verba. Na vacinação, tem de atingir coeficiente. Tudo isso a prefeitura tem de fazer e alimentar o sistema. O governo federal só bloqueia (em caso de inadequação). Estou pegando só um exemplo. Lá atrás, briguei para que se criasse uma estrutura para ajudar os municípios a pagarem o pessoal para essa operação. Tem de ser motorista concursado. Isso tudo vou mostrar. Só nessa área de cadastro a item União está devendo mais de R$ 9 bilhões para nós. A marcha vai ter um impacto profundo, porque estão olhando só Brasília, e não estão para o município que executa tudo o que eles querem fazer. E para nada há recursos para fazer. O caos está estabelecido em qualquer área. Tu vais ver o impacto que vai ter em quase 20 áreas como essa que dei como exemplo.
Em relação à reforma tributária, vocês têm uma postura diferente da Frente Nacional dos Prefeitos. Vocês a apoiam?
Não sai reforma tributária se não estivermos juntos. Eles sabem que têm de ter o apoio dos municípios. O Brasil precisa terminar com a cumulatividade (de impostos), não pode somar ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) com ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza). Tem de juntar os dois. O que queremos é mudar a cobrança da tarifa de onde a empresa está sediada para onde está o consumo, onde mora o cidadão que paga os impostos e precisa retorno das políticas públicas. Porto Alegre fica a reboque de São Paulo.
O vice-presidente Geraldo Alckmin tem defendido que os municípios vão arrecadar mais com a arrecadação com a reforma. O senhor tem essa expectativa?
Eles dizem que vai aumentar, mas o que há de concreto até agora? Nada. Não há um relatório. Tudo está na nuvem. Não há nada concreto.
É como a discussão do novo arcabouço fiscal?
Exato. Nós estamos discutindo na mídia sem saber o que tem ali. Por isso, na Marcha, vou encaminhar esse debate. Estarão lá o deputado Baleia Rossi, a ministra Simone Tebet, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, um técnico do Ipea e o prefeito de Recife, João Henrique Campos, para fazermos um painel esclarecedor. Muita gente não sabe o que é a reforma tributária. Ela não vai tratar sobre patrimônio, sobre IPTU, sobre terras, sobre IPVA. Não vai tratar sobre renda. Vamos tratar sobre consumo. E há cinco tributos no Brasil que incidem sobre o consumo e que são cumulativos. É isso por isso que as empresas reclamam. É cumulativo, paga-se várias vezes. Se aprovarmos, muda. Tu vai ficar o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) federal, que pegará PIS, Cofins e IPI, consumo dos tributos federais, e vai ser criado um imposto seletivo sobre cigarro, bebida e talvez energia. Nós estamos trabalhando para ter o IVA estadual e municipal. Aí vem a Frente e diz que quer a reforma, sim, mas deseja manter o ISS (Imposto sobre Serviços) do município. Então não tem reforma. Que reforma é essa? Se não juntar, não tem reforma.
Por que esse interesse de tantos prefeitos agora? É o momento político, de estabelecer nova relação com o novo governo?
Primeiro é que a Marcha vem numa crescente ano a ano, vai tendo mais credibilidade. No ano passado, o prefeito era visto como um pedinte de esmola em Brasília. Fomos tentando moralizar, e o prefeito passar a ser respeitado em Brasília. A gente vem conduzido a marcha com seriedade. Nossos estudos não são contestados. Vamos entregar essas análises para o governo federal. Houve toda a transição e, em três meses de governo, nunca um município foi ouvido. O principal braço deles nunca foi ouvido. São ouvidas algumas personalidades, alguns prefeitos, mas não os municípios em si. O primeiro contato que vão ter é agora. Essa semana largaram o programa Mais Médicos e não ouviram ninguém. Vamos ter de mostrar isso lá, na Marcha. Teremos 30 arenas simultâneas ao plenário maior, por isso esse volume de participantes e todo o interesse.