
Não vou dizer que é fácil. Por isso, em se tratando de relações internacionais, quem deve estar à mesa são os profissionais, o competente corpo diplomático brasileiro. Quando o presidente-em-chefe da nação decide viajar à Rússia e à China, é importante ter noção que não é simples, sobretudo nesta esquina da História, buscar um equilíbrio, ainda que distante.
Neste momento em que as placas tectônicas da hegemonia da ordem global se deslocam, voar para Moscou ou Pequim, em se tratando de Brasil é algo de muito risco. No primeiro caso porque o presidente brasileiro incorria - e acabou concretizando isso - no risco de se aliar a um pária internacional, um tirano que invadiu um país soberano, a Ucrânia. No segundo, porque, em nome da economia e de certa parceria ideológica - a China é o principal destino das exportações brasileiras -, Lula relativize, mais uma vez a democracia. Faz isso ao comparar suas vitórias eleitorais no Brasil à revolução comunista de 1949, no discurso de encerramento do Fórum Empresarial Brasil-China, em Pequim, ontem. O presidente afirmou que seu governo e o partido comunista chinês foram responsáveis por melhorar a qualidade de vida de seus povos.
Ora, mas a que preço? Lula foi eleito democraticamente em todos os pleitos. O PCCh tomou o poder após uma guerra civil e, desde o final dos anos 1940 do século 20, vem empreendendo um chamado "capitalismo de Estado", que é nada mais nada menos do que um regime que segue as regras do modelo econômico global, mas que não acompanha os preceitos da democracia liberal: alternância de poder, pesos e contrapesos, liberdade de imprensa e de expressão e garantias de direitos individuais e políticos. Ao se igualar a Xi, Lula diminui nossa democracia.
Além disso, é infeliz o termo utilizado por Lula, ao dizer que a parceria entre Brasil e China é indestrutível. A expressão foi usada por Xi Jinping e Vladimir Putin para se referir a sua aliança dias antes da invasão russa da Ucrânia.
Manter o pragmatismo nesses tempos não é fácil. Mas é talvez a maior prova de profissionalismo que o Itamaraty precisa dar - e, infelizmente, nessa jornada, não será possível contra com o presidente.