Ao final de uma semana em que o presidente Lula disse que só ficaria bem depois de f... com Sergio Moro, em que uma operação da Polícia Federal desbaratou o plano para matar o ex-juiz e hoje senador e que terminou em bate-boca entre os rivais, o ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência, o gaúcho Paulo Pimenta, recebeu ZH para uma longa entrevista em seu gabinete no Palácio do Planalto, em Brasília.
Ele atribuiu as falas exaltadas do presidente ao cansaço, previu que é necessário rever a agenda de compromissos, mas, ao mesmo tempo, admitiu ser impossível controlar a espontaneidade de Lula.
Na sexta-feira (24), Moro criticou a postura de Pimenta por se posicionar contrário à decisão que tirou o sigilo das investigações dos planos de ataque do PCC. O senador também o acusou de misoginia, disse que o ministro mente e questionou se ele se desculparia. Na entrevista a ZH, Pimenta rebateu:
- Muito pelo contrário. Eu acompanho Sergio Moro há muitos anos. Ele sempre teve essa característica: manipular, criar factoides em torno de fatos.
Leia os principais trechos da conversa.
Que balanço o senhor faz desses cem dias de governo, que serão completados daqui a algumas semanas?
A marca é que o Brasil voltou. Essa é a síntese. O Zé Gotinha voltou, a campanha de vacinação voltou, o Bolsa Família voltou, o Minha Casa Minha Vida voltou, o Farmácia Popular voltou. Mais Médicos voltou. Voltaram iguais? Não. Mas as nossas pesquisas mostram que todos esses programas têm no imaginário das pessoas uma memória muito positiva. São programas fortes que haviam sido destruídos. Alguns deles têm ajustes. Por exemplo, o Mais Médicos. Qual era a principal crítica: "Um programa para trazer médicos cubanos". Agora, na primeira fase, será: só médico brasileiro com registro. Se não preencher as 15 mil vagas, abre para brasileiros que estudaram fora e não fizeram Revalida. Só depois abre para a possibilidade de virem estrangeiros. Mesmo programas que deram certo, vêm corrigidos. Até os cem dias, que será em 10 de abril, nossa ideia é colocar de pé todos os programas que deixaram de existir e que deram certo. A partir do centésimo dia, o presidente vai fazer uma reunião ministerial, deve fazer um pronunciamento ao país nessa reunião, e nós iniciaremos uma segunda etapa do governo. Nessa segunda etapa, a gente pretende apresentar ao país as novas ações. A ideia é concluir o primeiro semestre com os novos programas lançados e priorizando, do ponto de vista legislativo, a reforma tributária e o arcabouço fiscal. Para já entrarmos no segundo semestre pensando no Orçamento e no planejamento do ano que vem. É o nosso desenho.
O presidente nunca viveu, em sua experiência de governo, essa nova realidade em que se tem informação em tempo real
Sobre a comunicação, houve a posse, os ataques do dia 8 de janeiro e é natural que iniciem as críticas. Como vocês estão lidando?
O presidente Lula é muito tranquilo com relação a isso, até porque é muito experiente. O que existe de novidade hoje em relação ao primeiro governo de Lula: por exemplo, o máximo que o presidente chegou a pegar, no final do governo dele, foi o Orkut. Tu tinhas uma dinâmica que era o jornal, depois as notícias à noite, alguma coisa durante o dia, mas totalmente diferente de tudo o que nós vivemos hoje. O presidente nunca viveu, em sua experiência de governo, essa nova realidade em que se tem informação em tempo real, 24 horas por dia. Essa dinâmica é muito diferente. Segundo, não tinha o fenômeno das fake news. Quem produzia conteúdo era a imprensa, um site, um blog, não existia essa realidade onde hoje qualquer pessoa produz conteúdo e que, portanto, permite uma proliferação indiscriminada de conteúdos falsos. Isso incomoda muito o presidente. A crítica, não. Identificamos, da eleição até a posse, 572 fake news novas, 61% delas diziam respeito a urnas eletrônicas e questionavam o sistema eleitoral. Tem uma pesquisa recente que mostra que dois terços dessas páginas que postam esses conteúdos estão hospedadas fora do Brasil. Isso criou uma realidade com a qual o presidente não tinha convivido, que leva a um processo permanente de disputa contra a desinformação. Não é o problema da crítica. Essa dinâmica é nova, complexa e um desafio para o governo enfrentá-la diariamente.
O senhor tem uma reunião com presidente todos os dias pela manhã. Como encontra o astral de Lula quando chega ao Planalto?
Na área onde o presidente trabalha, a gente não entra com celular, laptop, com nada, por ser um espaço mais reservado. A gente despacha com o presidente com todo material impresso. Eu chego aqui por volta das 7h30min, até esse horário as nossas equipes já produziram para mim três relatórios: um de mídia nacional e internacional, um de redes e outro do noticiário da noite anterior. Com esse material, preparo um informe que apresento diariamente ao presidente. Há um sistema de informação dos motoristas: o presidente leva oito minutos do Alvorada até aqui (Planalto). Então, quando ele sai de lá, a gente recebe um informe: "O presidente está em deslocamento". Da minha janela, aqui, enxergo o helicóptero, que vem em cima do carro. Quando enxergo o helicóptero, faltam dois minutos (para Lula chegar ao Planalto). Aí eu subo (ao gabinete, no terceiro andar), ele chega. Todos os dias. O presidente tem uma dinâmica interessante: na medida que a gente vou dando o informe, ele já vai tratando daquele tema. É um informe com despacho: liga para um ministro, faz o encaminhamento. Esse informe vai até 11h. Volto com um caderno, com o meu tema de casa, com o nome de cada ministro com quem eu tenho que falar. O presidente é muito bom de trabalhar: acorda todos os dias às 5h30min, faz duas horas de academia, todos os dias com personal. É uma figura tranquila de trabalhar.
O presidente parece irritado nos últimos dias. Por quê?
Talvez a gente tenha exagerado um pouco no ritmo da agenda. Isso leva a um cansaço, naturalmente o cansaço reduz a imunidade e a disposição.
É estresse, pressão?
Talvez tenhamos forçado. Ele quer muito trabalhar, viajar. Nesta semana, o presidente saiu daqui, foi para João Pessoa, pegou helicóptero, 40 minutos para ir até um local, viagem de helicóptero desgasta muito. Chegou ao local, calor terrível, foi para uma sala com ar-condicionado muito forte. Saiu da sala, voltou para o calor, mais 40 minutos de helicóptero. Foi para Recife, no outro dia teve agenda de manhã, de tarde e de noite, chegou meia-noite ao Rio. Começou a agenda pela manhã, depois à tarde, à noite. Setenta e sete anos... Qualquer um de nós cansa só de ler essa agenda, imagina o presidente que a cumpre. A gente vai ter de dar uma organizada. Hoje, alguém deu um exemplo bom: é que nem o craque, quando ele é novo, corre o campo inteiro. Com o tempo, ele continua sendo craque, mas quem corre é a bola. Não é ele. Conhece os atalhos. Nós precisamos organizar melhor para ele correr menos: a bola passa por ele, ele organiza o time, mas sem essa necessidade. Essa semana foi muito exaustiva. Eu disse a ele hoje: "Presidente, o craque da Champions League quando vai jogar uma partida importante no final de semana não joga no meio da semana. O senhor vai para a China, em uma viagem internacional importantíssima, não podemos botar o senhor em uma agenda". Imagina o Cristiano Ronaldo, vai botar ele pra jogar duas partidas no meio da semana se ele tem uma decisão no domingo? Não é possível. Acho que a culpa foi nossa. Isso levou a uma sensação de cansaço, de estresse.
Isso levou a essa percepção de que ele está irritado?
É isso. Ontem (quinta-feira) mesmo, quando falei com ele, eu disse para a gurizada aqui: "O presidente está baqueado, está cansado". Quando ele veio para cá no avião, chegou aqui foi direto para a base aérea. Fizeram uma bateria de exames, diagnosticaram uma pneumonia leve. Isso é muito por causa da baixa imunidade.
O presidente é uma pessoa que tem opinião e gosta de falar. Muitas vezes, a gente corre atrás da máquina.
Como vocês lidam com o improviso do presidente?
Esse é um desafio que a gente se coloca diariamente. De fato, o presidente é uma pessoa que tem opinião e gosta de falar. Muitas vezes, a gente corre atrás da máquina. Agora, não adianta a gente imaginar que o presidente Lula, no terceiro mandato, com 77 anos, com a vida que tem, vai se moldar ao meu jeito de trabalhar. Não, eu que tenho de me moldar a como ele é. Lula é uma pessoa espontânea, tem muito sentimento, depende muito do ambiente em que está, se ele está à vontade. Então, temos de aprender a trabalhar com Lula. E não imaginar que vamos trazer Lula para um manual de assessoria de imprensa. Vamos ter de mudar o manual para poder trabalhar com ele.
Na semana que passou, o senhor trabalhou bastante depois das falas do presidente. Como neutralizar os desgastes? Vocês estão preparados?
Esse é o nosso papel. Uma fala às vezes fora do contexto ganha uma interpretação. A gente tenta contextualizar. Uma interpretação que a gente acha que não foi exatamente no sentido do que o presidente gostaria de ter dito, a gente trabalha para ajudar na compreensão.
Diante dessas falas mais agressivas de Lula, o senhor disse que tudo isso acaba trazendo à memória o método que foi utilizado contra ele, os mesmos personagens, com relação ao senador Sergio Moro. A prisão provocou um trauma ao presidente?
Não diria um trauma. Lula, apesar de ser quem a gente admira, é um ser humano. Imagina ficar 580 dias detido, aí depois as sentenças são anuladas, aí o Supremo Tribunal Federal diz: "Olha o cara que te julgou não tinha competência para ter julgado". Aí, tu descobre que havia uma relação não republicana entre o juiz, o promotor e os delegados que atuavam no caso. Aí, tu perdeu um irmão, não deixaram ir no enterro, aí perdeu o neto, dona Marisa morreu ouvindo os filhos dizer que eram donos da Friboi, donos da Oi, porque ela tinha comprado dois pedalinhos. Morreu de tristeza. É natural que isso gere um sentimento de indignação. Então, acho que é compreensível. Lula é um cara de muita emoção, muito coração. Uma pessoa assim sente a injustiça. Ele tem um sentimento de indignação. Mas isso não impede que o presidente e seu governo atuem dentro da mais absoluta independência, pautados em uma relação absolutamente republicana e institucional. A prova disso foi o que aconteceu nesta semana: a Polícia Federal foi impecável. Em nenhum momento revelou qualquer traço de aparelhamento. Pelo contrário: aquele que seria o algoz do presidente (Moro), foi a PF do Lula que impediu que qualquer coisa acontecesse contra ele e a família dele.
Esse seria o melhor exemplo para demonstrar independência da instituição, mas aí houve um giro de 180 graus a partir de uma declaração de Lula e acabou com a narrativa que tinha tudo para ser positiva.
Aí há uma questão de interpretação da fala do presidente. O inquérito é real, é robusto, uma operação exitosa. Infelizmente, no momento da execução da operação, ocorreu um conjunto de fatos que fazem com que as pessoas comecem a pensar. Não no sentido de uma teoria da conspiração. Mas a juíza titular entra em férias, assume um dia antes a Gabriela Hardt (magistrada do Paraná que autorizou a operação), que era a substituta do Moro. Aí Lula está dando uma entrevista, fala do Moro, 11h15min. Às 11h49min, ela fez o despacho. Aí, Moro começa a dar entrevista, faz um tuíte: "Lula colocou em risco a minha vida, a vida da minha família". Moro sabia da investigação desde janeiro, está com escolta da PF, da Polícia Legislativa. Não foi a entrevista de Lula (ao site 247 em que disse que só ficaria bem quando f... com o ex-juiz). Moro vem acompanhando, estava informado passo a passo dessa investigação. Moro insiste nessa narrativa. No outro dia sai a operação. Lula questiona a operação, poucos minutos depois a juíza libera o sigilo: "Ah o delegado concordou". Sim, mas se a juíza questiona o delegado se ele concorda com o sigilo, vai dizer o quê? Hoje, Moro disse que o delegado concordou por escrito.
Já colocamos recurso bastante significativo na BR-116, na BR-290, nas melhorias da BR-386, recuperação de rodovias como a BR-472, São Borja-Itaqui-Uruguaiana.
Moro o chamou de "ministro da Propaganda" e disse que o senhor mente. Além disso, exigiu desculpas. O senhor pede desculpa?
Muito pelo contrário. Eu acompanho Sergio Moro há muitos anos. Ele sempre teve essa característica: manipular, criar factoides. Fake news é isso. Você não inventa uma coisa. Você se apropria de uma narrativa e dá outro sentido. O que era para ser uma operação republicana, houve um esforço para questionar essa isenção. Moro não me engana. Deltan Dallagnol (ex-procurador da Lava-jato e hoje deputado) não me engana. Sei quem eles são, como eles vieram parar onde eles estão. Eles têm uma longa ficha de questões que ainda precisam ser muito bem discutidas pela sociedade. Tenho absoluta compreensão do sentimento de indignação e dúvida que o presidente tem em relação a qualquer questão que envolva Sergio Moro.
Falando sobre o Rio Grande do Sul, vários ministros, entre eles o senhor, foram lá prometeram os R$ 400 milhões para combater os efeitos da estiagem. Há algo mais a ser anunciado nos próximos dias?
Há várias coisas que estão sendo preparadas. A gente fez aqueles anúncios iniciais, os recursos da parte da Defesa Civil foram viabilizados. Havia questões do ponto de vista de liberação de crédito que acabaram, por questões burocráticas, não andando no ritmo que a gente queria. E a gente pretende anunciar nos próximos dias outras medidas que envolvem crédito, rebate de crédito, rebate de financiamento. Vamos ter questões que envolvem pequenos, médios e grandes produtores atingidos pela estiagem.
E como relação às obras federais, o senhor acredita que será possível retomar alguma nos próximos meses?
Já convocamos recursos bastante significativo na BR-116, na BR-290, nas melhorias da BR-386, recuperação de rodovias como a BR-472, São Borja-Itaqui-Uruguaiana. Vamos fazer um investimento importante agora na ponte de Uruguaiana. Tivemos um problema grave que fez com que a ponte ficasse 15 dias interrompida. Vamos fazer uma ponte nova em Jaguarão em uma parceria com o Uruguai, e reforma a antiga. Nós devemos lançar no final de abril um novo plano de investimentos. Nesse plano, é que vamos incluir as obras estruturantes. Até o dia 100 a ideia é retomar o que já existia. Essas obras mais estruturantes vamos incluir no novo PAC, que não irá se chamar assim.
Qual a sua ideia para a regulamentação de redes sociais?
Na linguagem popular, o ótimo é inimigo do bom. Temos de aprovar aquilo que for possível. De tudo o que acompanho, estou trabalhando para incluir algo que, na minha opinião, resolve 70% do problema: é você tratar conteúdo impulsionado e monetizado de forma distinta de uma opinião individual. A Alemanha fez isso, outros países o fizeram. Impulsionou ou é postagem monetizada tem tratamento de mídia. "Fulano publicou tal coisa contra não sei quem". Responde na Justiça normal, como qualquer cidadão. Mas não é possível você comprar uma TV que já vem com um aplicativo de canais no YouTube, que está na grade normal da televisão. O cidadão não sabe se está em uma TV aberta, a cabo ou no YouTube. Aí há uma legislação distinta de responsabilização do conteúdo, do que é veiculado, do proprietário da empresa, do profissional. Essa assimetria é impossível de permanecer. Um é obrigado a passar Voz do Brasil, outro não. Um é obrigado a ter propaganda eleitoral, outro não. Um tem responsabilização civil e criminal, o outro não. Caso se resolvesse só essa distinção, já resolveria 70% do prejuízo que isso provoca. Longe de mim tratar de conteúdo, temos de tratar na internet o que é crime. Falo de democracia, homofobia, racismo, pedofilia. Mas ainda amplio: saúde pública, impulsionar conteúdo de um medicamento não autorizado pela Anvisa. A pessoa que impulsionou isso ganhou dinheiro, a plataforma ganhou dinheiro e você comprou um veneno? E a plataforma não tem responsabilidade? Crime na internet deve ser tratado de outra maneira. Isso não é opinião, não disseminação de conteúdo, é atividade criminosa na internet.