É inegável que tenha havido uma mudança de tom do Brasil em relação à Nicarágua, do ditador Daniel Ortega. Pequena, mas houve. Algum tempo atrás, era inimaginável um governo do PT levantar a voz contra regimes autoritários de esquerda.
Nesta terça-feira (7), em discurso na Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, o governo brasileiro disse estar "extremamente preocupado com as sérias violações de direitos humanos e restrições ao espaço democrático, em especial execuções sumárias, detenções arbitrárias e torturas contra dissidentes políticos", nas palavras do embaixador Tovar Nunes.
Esse tom mais elevado é uma mudança de posição. O PT sempre evitou criticar regimes como o da Nicarágua atual, da Venezuela chavista-madurista e de Cuba dos irmãos Castro e sucessores.
Outros governos latino-americanos de esquerda evoluíram mais rapidamente. Em relação à Nicarágua, a Colômbia do presidente Gustavo Petro e o Chile de Gabriel Boric adotaram posições muito mais duras em relação ao regime Ortega, participando, inclusive, do documento assinado por 55 países e divulgado na semana passada.
Em relação ao Brasil, combinam-se três pontos: a simpatia histórica do PT por governos de esquerda, sejam eles autoritários ou não, a tradição da diplomacia brasileira de respeito à autodeterminação e a característica de evitar condenar países explicitamente, o que abriria margem para aplicação de sanções internacionais sem, muitas vezes, a viabilidade de mediação.
Por isso, pode-se considerar que o Brasil tentou um meio termo: demonstrar preocupação, mas se colocar solidário, oferecendo-se para mediar a crise. Isso fica explícito na frase de Nunes segundo a qual o Brasil está pronto para "explorar maneiras de abordar a situação de forma construtiva", conversando com o governo nicaraguense.
No entendimento do Itamaraty, sanções, como as aplicadas à Venezuela, em 2020, não melhoraram a situação. Nos bastidores, o temor é de que uma postura mais crítica por parte da comunidade internacional possa aumentar a repressão no país e dificultar futuras tentativas de colaboração internacional.
Em outro gesto de solidariedade, o Brasil se ofereceu para acolher nicaraguenses que tiveram sua nacionalidade retirada pela Justiça do país, tutelada pela ditadura.
Na semana passada, um relatório de um grupo de especialistas independentes, criado sob mandato do Conselho da ONU, acusou o governo da Nicarágua de cometer crimes contra a humanidade. "Eles são cometidos de maneira generalizada e sistemática por motivos políticos e constituem crimes de lesa-humanidade de assassinato, prisão, tortura, incluindo violência sexual, deportação e perseguição por motivos políticos", concluiu o texto. A investigação apura a violência ocorrida desde abril de 2018, quando eclodiram os protestos contra Ortega. No dia 9 de fevereiro, o governo nicaraguense liberou 222 opositores, mas os expulsou do país e retirou suas nacionalidades. Uma semana depois, outros 94 dissidentes no exílio também viraram apátridas.
Esse é o problema. A saída pelo diálogo é sempre melhor. Mas, diante da gravidade da crise no país de Ortega, o Brasil dizer apenas que está "extremamente preocupado" não é suficiente.