Os valores envolvidos são imensamente diferentes. Mas a praga por trás dos episódios dos diamantes sauditas que o casal Bolsonaro tentou retirar da alfândega da Receita Federal em Guarulhos e do uso do avião da Força Aérea Brasileira (FAB) pelo ministro Juscelino Filho para fins pessoais é a mesma: o patrimonialismo que marca a política brasileira desde os tempos coloniais.
O caso rocambolesco das joias no valor de R$ 16,6 milhões que o então presidente fez de tudo para levar para casa é apenas o exemplo mais recente de um governo que explicitamente confundia o público com o privado.
Durante quatro anos, Jair Bolsonaro pronunciou expressões como "meu Exército", cuja ideia oculta era de que, estando presidente, ele seria dono da estrutura de governo. Não era: o poder, como se sabe é transitório.
A estrutura de governo está a serviço da instituição presidente da República, e não do ocupante de turno da cadeira presidencial.
Bolsonaro gravou Lives fazendo campanha eleitoral no Alvorada - aliás, outro patrimônio público que ele confundia com residência privada, tendo em vista o estado do palácio que o casal deixou para trás ao embarcar para Orlando -, fez comício da sacada da casa oficial do embaixador brasileiro em Londres e usou a estrutura do Itamaraty para questionar a lisura do processo eleitoral diante de embaixadores estrangeiros.
Um dos símbolos máximos de que, no poder, o presidente confundia a dimensão pessoal com as razões de Estado era a falta de transparência nas informações públicas, por meio dos famosos decretos de sigilo de 100 anos sobre temas de seu interesse e de amigos.
Guardadas as proporções, as denúncias envolvendo o ministro de Lula trazem embutido o mesmo problema. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, Juscelino Filho, das Comunicações, voou em jato da FAB e recebeu diárias para participar de um leilão de cavalos em São Paulo. Antes, já havia sido acusado de utilizar o orçamento secreto, à época em que era deputado federal, para asfaltar uma estrada que corta sua fazenda no Maranhão.
Séculos atrás, esses eram exemplos do típico pensamento da oligarquia brasileira, que achava que o Brasil como nação era só dela porque parte da população era escrava e não tinha direitos. Hoje, como se sabe, o patrimonialismo não obedece classe social, ideologia ou matiz político. É primo rico do famoso "jeitinho". E modus operandi daqueles que esquecem que governos passam, mas o Estado fica. Às vezes vilipendiado, mas fica.