Até quando? Essa foi a pergunta que mais escutei ao longo de 2022, o ano que começou com a explosão da primeira guerra na Europa desde a carnificina dos Bálcãs. Anunciado desde o fim de 2021, o conflito na Ucrânia estourou no final da madrugada de 24 de fevereiro (horário da Ucrânia) do ano passado, quando tropas russas cruzaram as fronteiras da ex-República soviética para terminar o serviço iniciado em 2014, com a ocupação da Crimeia. Para o mundo, o objetivo de Vladimir Putin, que até hoje tenta manter sua população alienada sobre o que ocorre no front, era manter a Organização do Tratado do Atlântico Norte, a Otan (leia-se o Ocidente), afastada do que considerava sua área de influência. Mas até as paredes do Kremlin sabem, hoje, que esta se trata de uma guerra de ocupação, que visa apagara Ucrânia independente do mapa.
Embarquei para o Leste Europeu na tarde do dia 24, para cobrir o conflito, esperando uma guerra rápida. A realidade, aos poucos, se impôs sobre as expectativas. Após um avanço fulminante sobre Kiev e o bombardeio das principais cidades, a Rússia não conseguiu tomar a capital nem decapitar o governo do presidente Volodimir Zelensky. Passado um ano, seu avanço se restringe às regiões separatistas, Donetsk e Luhansk, no Leste, e, mesmo lá, a linha de frente é móvel.
Referendos de fachada, não reconhecidos pela comunidade internacional, resultaram na anexação, em 30 de setembro, de quatro províncias (óblasts): Donetsk, Luhansk, Zaporizhia e Kherson. Mas os militares ucranianos conseguiram recuperar parte do território inicialmente conquistado, em especial a região de Kharkiv, no início de setembro, e a cidade de Kherson, no início de novembro.
Nesses 365 dias, Zelensky, de presidente questionado alçado à posição de estadista, conseguiu manter e intensificar o apoio do Ocidente, principalmente neste momento em que seu país enfrenta problemas com fornecimento de água, luz e aquecimento. A visita de Joe Biden a Kiev, a capital da guerra, no final de semana passado, foi o ato mais ousado de um presidente dos Estados Unidos em décadas e o mais robusto apoio que a Ucrânia poderia receber.
A verdade é que a Rússia, considerada a terceira mais poderosa força militar do mundo (atrás de EUA e China), se mostrou, no terreno, muito menor do que se supunha. A aventura de Putin na Ucrânia expôs erros primários - suas cadeias de suprimentos não funcionam a algumas dezenas de quilômetros de suas próprias fronteiras, e seu exército perdeu até um general na guerra. O comando das forças agora está a cargo do chefe do Estado-Maior, Valery Gerasimov, leal a Putin, o que pode sinalizar que o Kremlin perdeu a confiança em seus comandantes militares e quer trazer para dentro de suas muralhas as decisões do front.
Putin, embora mantenha o tom desafiador para russos verem, está isolado dos mercados financeiros internacionais, embora conte com o apoio, ainda que dissimulado, da China. As sanções econômicas adotadas por Europa, Estados Unidos, Canadá, Japão, Coreia do Sul, Austrália, Nova Zelândia e outros parceiros do Ocidente impuseram ao país pesados danos econômicos. Mais de mil empresas desistiram da Rússia.
Mas voltemos à China. É dela que depende, em grande parte, o futuro do conflito. Foi na China que Putin foi buscar apoio antes da invasão. Foi à China que ele recorreu quando não teve mais a quem exportar. E é na China que buscará uma saída honrosa do atoleiro em que se meteu - no mínimo, uma garantia de que o Ocidente irá se manter a uma distância saudável de seu entorno estratégico.
A administração Biden, que encontrou na guerra uma razão para lançar os EUA, novamente, como "líderes do mundo livre", segue buscando um equilíbrio entre apoiar a Ucrânia e, ao mesmo tempo, evitar ingressar diretamente no conflito. Desde o início da guerra, europeus e americanos enviaram armas de defesa ao país invadido e o servem com informações de inteligência. Para evitar o envolvimento direto, coube até segurar, no osso, a reação russa naquilo que lhe sobrava como arma - o gás.
Nem o aperto energético, provocado pelas reduções no fornecimento de produto russo, causou abalos sensíveis na Europa, que vem aumentando o fornecimento de dinheiro e armas, ao lado dos EUA. O inverno menos rigoroso do que o previsto, o armazenamento mais elevado de gás e o impacto do incentivo à redução no consumo reduziram o preço do recurso e, consequentemente, a pressão inflacionária da energia. Enquanto as condições atmosféricas moderam o uso de gás para aquecimento, as reservas de emergência dos países estão mais protegidas.
Do ponto de vista geoestratégico, a guerra produziu mudanças que permanecerão para além do conflito: sobretudo o confronto empurrou países até então pacíficos, como Finlândia e Suécia, para a Otan, e a União Europeia acelerou a entrada da Ucrânia no bloco. A Otan deu início a uma das maiores reformulações estratégicas de sua história. Ou seja, se Putin pretendia adiar a ampliação da aliança militar, seu efeito foi exatamente o contrário. Nos documentos oficiais, a Rússia deixou de ser "parceira estratégica" para se tornar "ameaça". A invasão fez com que nações europeias revisassem seus orçamentos militares - até a Alemanha, mantida enfraquecida como base do equilíbrio europeu pós-Segunda Guerra, anunciou bilhões em orçamento de defesa. Putin desequilibrou a balança de poder.
Para um mundo que se acostumou com ocupações fulminantes, como as dos Estados Unidos no Iraque, esse é um conflito diferente. Um ano depois da invasão, a resposta sobre quanto tempo durará essa guerra segue a mesma: dependerá de como a China irá se movimentar, pressionando Putin ou se omitindo. E até quando o Ocidente irá manter o apoio militar à Ucrânia. A depender dessas duas variáveis, infelizmente, essa guerra irá muito longe.