Com uma palavra, “alívio”, o jogador de futsal Mateus Ramirez, de Rio Grande, definiu a sensação ao dar os primeiros passos dentro do território da Polônia, após deixar a Ucrânia, na sexta-feira (4). Saía da guerra com apenas uma mochila, a mala com as roupas ficara para trás no hotel, em Kiev, no dia em que abandonou a capital sob bombas.
Ele era um dos integrantes do grupo de 14 brasileiros e três ucranianos que deixou a Ucrânia no comboio organizado pela embaixada do Brasil.
Esse foi o primeiro grupo retirado por terra pelo Itamaraty desde o início dos confrontos. O comboio ingressou na Polônia em segurança, após uma viagem de quase duas horas pelo interior da Ucrânia, entre Lviv e a fronteira. GZH acompanhou os brasileiros e familiares ucranianos que deixaram o país em guerra.
A jornada começou às 11h (6h pelo horário de Brasília), no hotel Sputnik, sede do consulado honorário do Brasil em Lviv. A operação, comandada pelo embaixador Norton de Andrade Mello Rapesta, contou com escolta da polícia ucraniana. Nos cerca de 80 quilômetros até a fronteira, o grupo passou por sete barreiras de proteção da cidade. Como a evacuação dos brasileiros foi articulada com as autoridades ucranianas, o comboio não foi parado em nenhuma delas.
A cada passagem, em alta velocidade, foi possível observar como a cidade se prepara para uma possível invasão. A cada barricada, militares das forças armadas regulares da Ucrânia trabalham em articulação com civis. Homens de diferentes idades vestem coletes amarelos e estão armados nos postos de checagem. Entre sacos de areia e amontoados de pneus, os defensores de Lviv carregavam armamento de baixo poder ofensivo. Boa parte da proteção da cidade e arredores é feita por cidadãos comuns, líderes comunitários em armas.
O gaúcho
Desta vez, Matheus Ramirez, jogador de futsal nascido em Rio Grande, não ficou para trás. Quando os bombardeios começaram, ele se refugiou junto a um grupo de atletas do Shakhtar em Kiev, na expectativa de sair com o grupo. Foi ao banheiro e quando retornou todos haviam fugido. Desesperado e abandonado após ter passado 40 horas em um bunker, ele procurou ajuda da embaixada do Brasil.
Com outros três brasileiros, o gaúcho foi levado de carro até Lviv com apoio dos diplomatas. Uma viagem de cinco horas durou 16, devido aos check points. Na sexta, era um dos primeiros no hall do hotel Sputnik, bem antes de o comboio partir.
— A gente vive longe de casa há muito tempo, mas esse sentimento é de vida que recomeça.
O pastor e a família
Para que o filho Israel, sete anos, não percebesse que estavam fugindo de uma guerra, o pastor Francisco Carlos Baiadori Junior e a esposa, Jeniffer, inventaram que a família estava ingressando em uma grande expedição. E assim, Israel, no ônibus que conduziu o grupo da fronteira até Varsóvia, era um feliz e falante viajante. Comentava sobre o frio, o tempo, as lembranças do Brasil e da cidade que deixou para trás. A família decidiu viajar antes que a situação de segurança se deteriorasse em Dnipro.
— A gente pensou em sair porque não sabemos o que vai acontecer, uma vez que a cidade faz divisa com Rakov, que faz fronteira com a Rússia e foi atacada - diz o pai.
Os três, que irão ficar na Polônia até a situação melhorar, levaram junto o cão Max. Morando há quatro anos na Ucrânia, Francisco é pastor da Igreja Universal do Reino de Deus. Ele conta que na sua comunidade, onde há russos e ucranianos, todos convivem em harmonia:
— O problema dessa guerra é apenas político — diz.
O cão
Quando soube que não poderia retirar Thor, o buldogue francês de 12 anos, de Kiev, Vanessa, 36, se desesperou. Apelou às redes sociais no Brasil. O problema é que a Força Aérea Brasileira estava rejeitando o embarque do cão de focinho curto. Várias companhias aéreas seguem esse protocolo porque há risco para o animal.
Obviamente, Vanessa não deixaria o pet para trás. Recorreu às redes sociais, onde encontrou a ativista Luisa Mell, que mobilizou seguidores, marcando inclusive a cantora Anitta. Funcionou. Na sexta-feira, Thor estava todo pimpão no ônibus com os brasileiros que fugiram de Kiev.
Ela trabalha com equipamentos em uma empresa de biotecnologia com o marido, em Kiev. Ele ficou em Lviv para tentar resgatar os aparelhos, Vanessa e Thor seguiriam viagem para o Brasil. Ela está grávida de 10 semanas.
— Thor está vivendo conosco essa aventura triste — diz.