Tomo emprestada a expressão "a marcha da insensatez", que dá título ao genial livro de Barbara Tuchman, para explicar o ciclo de ação e reação, na guerra da Ucrânia, que pode fazer o mundo caminhar para um conflito nuclear e aberto entre Rússia e Ocidente. Na aclamada obra, escrita em 1984, a historiadora americana duas vezes laureada com o Prêmio Pulitzer, revela como, de Troia ao Vietnã, decisões equivocadas de governantes tiveram consequências desastrosas para milhares de pessoas. Em outras palavras, quando líderes sucumbem à ganância e aos interesses individuais em detrimento da razão, o cenário descamba para o caos.
O conflito na Ucrânia parece ter chegado a um momento em que a roda da violência gira por si própria, em um ciclo de ação e reação que tem tudo para acabar em algo ainda pior, uma Terceira Guerra Mundial. Os ataques com mais de 70 mísseis deflagrado pela Rússia às principais cidades ucranianas esta semana foi uma reação à explosão da ponte sobre o estreito de Kerch, que liga o território continental russo à península da Crimeia. Por sua vez, a detonação da estrutura, filha dileta de Vladimir Putin, foi, tudo indica, uma reação ucraniana aos referendos de anexação por parte do Kremlin nos quatro territórios - Donetsk, Luhansk, Zaporizhia e Kherson.
Qual foi a reação do Ocidente diante da chuva de mísseis russos das últimas horas? O envio de mais armas, que alimentam a roda do terror. A Alemanha entregou à Ucrânia o primeiro dos quatro sistemas ultramodernos de defesa antiaérea Iris-T. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) analisa, em Bruxelas, o envio de novos arsenais. E, em breve, os Estados Unidos mandarão sistemas Nasams.
Até agora, a resistência ucraniana, improvável sem o apoio do Ocidente nesse confronto de Davi versus Golias, se dá principalmente graças aos lança-foguetes Javalin, capazes de perfurar os blindados russos e colocar para correr a infantaria. A guerra vai durar, como se sabe, até quando o Ocidente sustentar a Ucrânia com armamentos. Sem apoio, haverá capitulação do governo ucraniano em poucos dias. O dilema da Otan é e sempre será como continuar apoiando o país invadido disfarçando o envio de armas e mantendo, perante os olhos do Kremlin, a noção de que permanece fora da guerra.
Ora, lá se vão quase oito meses de conflito. E o Ocidente, embora tenha enviado armas apenas de defesa até onde se sabe, está até o pescoço envolvido no conflito. Até agora, os Estados Unidos, em especial, têm resistido aos apelos do presidente Volodimir Zelensky em enviar armas de longo alcance, como sistemas de lançamento (MLRS), que incluem foguetes de artilharia padrão da Otan. Bastaria um desses artefatos cair do lado russo ou atingir um batalhão de Putin dentro da Ucrânia para que a Rússia acuse o Ocidente de envolvimento direto no conflito. Estaria pronto o argumento para uma confrontação sem intermediários entre Washington e Moscou.
As únicas variáveis capazes de fazer frear a marcha da insensatez neste momento são, ironicamente, os interesses nacionais: o temor de que, sob a pretensão de garantir a proteção da Ucrânia, os governos europeus estejam comprometendo a própria defesa nacional.