Há pelo menos duas semanas, o fantasma de uma guerra nuclear voltou a pairar sobre o mundo, principalmente depois que o presidente russo, Vladimir Putin, acuado no campo de batalha da Ucrânia, passou a ser pressionado por setores internos do governo a reagir de forma não convencional. Muito tem se falado sobre o potencial uso de armas nucleares táticas. Mas você sabe o que são?
Eu explico. Mas, antes, vamos a alguns aspectos históricos e contextuais.
A única vez que armas atômicas foram usadas contra populações foi em agosto de 1945, pelos Estados Unidos, contra Hiroshima e Nagasaki, na Segunda Guerra Mundial. As explosões mataram mais de 70 mil pessoas instantaneamente, sem falar das mortes em decorrência da radiação, nos anos seguintes.
Desde então, vários testes foram feitos com bombas atômicas e mísseis e outros países, além dos cinco integrantes permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas (além dos EUA, Reino Unido, França, Rússia e China) desenvolveram armas nucleares - Israel (embora não admita), Índia, Paquistão e Coreia do Norte.
Mas nunca nenhum desses países arriscou utilizar seus arsenais contra outra nação.
Mesmo durante a Guerra Fria (1945-1991), nenhuma arma desse tipo foi lançada. Em alguns momentos, viveu-se esse risco, como no episódio da crise dos mísseis instalados pela União Soviética em Cuba, a cem quilômetros de Miami (EUA), provavelmente o episódio mais perto que tivemos, até agora, de um ataque atômico pós-Segunda Guerra. Vivemos sob a doutrina estratégica chamada "Destruição Mútua e Assegurada (MAD, em inglês), segundo a qual o uso de armas nucleares por um dos lados iria efetivamente resultar na destruição de ambos - atacante e defensor.
Aí chegamos ao conflito na Ucrânia. Logo nos primeiros dias da guerra, Putin disse ter mobilizado sua força nuclear - o que pressupunha-se que havia deslocado arsenal atômico para as fronteiras com a Europa. Desde a semana passada, o presidente russo vem dizendo que não descarta o uso desse tipo de armamento, caso a existência da Rússia esteja em perigo - esse é um dos pontos problemáticos, porque um risco à existência do país é algo subjetivo.
Desde então, tem se falado na probabilidade do uso de armas nucleares táticas, que são arsenais com menor potencial destrutivo, se comparado às armas nucleares estratégicas. Mesmo assim, poderiam devastar um raio de até 5 quilômetros. As menores teriam 1 quiloton. A bomba atômica lançada sobre Hiroshima, em 1945, tinha, por exemplo 15 quilotons.
Essas ogivas, lançadas a menor distância do que as estratégicas, podem ser acopladas em vários tipos de armas, como mísseis de cruzeiro ou projeteis de artilharia. Destruiriam, em tese, uma área específica, sem causar (de novo, em tese) a dispersão da radioatividade de forma generalizada.
O problema, além da destruição propriamente dita, é a espécie de tabu que ronda o tema. Ao usar armas nucleares, mesmo que táticas, Putin estaria ultrapassando uma linha vermelha - que nunca foi ultrapassada desde 1945. Há o aspecto simbólico, atingiríamos talvez um ponto de não retorno. O segundo ataque - da Ucrânia, ou da Otan ou dos Estados Unidos - possivelmente seria na mesma moeda. Daí, porque Biden afirmou, na sexta-feira (7), que nunca, desde a crise dos mísseis, o mundo esteve tão perto do "Armagedon".
Seu uso tornaria a Rússia um pária internacional ainda maior. Certamente, perderia o apoio de países como China e Índia, fundamentais para o Kremlin. Além disso, não há garantias de que o próprio território russo não seria atingido. Quando ocorreu o acidente nuclear na usina de Chernobyl, na Ucrânia, então república soviética, os ventos em direção a Leste empurraram radiação para a própria Rússia.
Em tempo: apesar de não descartarmos de que um ataque com arsenal atômico possa ocorrer, o serviço de inteligência dos Estados Unidos garantem que não há sinais ou movimentos claros de que Putin estaria prestes a fazer isso.