A guerra na Ucrânia entra em uma nova e ainda mais perigosa fase. Foram quatro estágios até agora.
1) O início do conflito, com bombardeios à capital, Kiev, e a outras das principais cidades ucranianas, em 24 de fevereiro, foi seguida do avanço da infantaria. A Rússia enfrentou uma resistência acima do esperado e teve problemas logísticos que impediram o avanço. Assim, as tropas recuaram, dando início a uma segunda fase.
2) A Rússia passou a focar os ataques na região do Donbass, onde ficam as províncias separatistas de Donetsk e Luhansk, e no sul da Ucrânia, em especial Kherson, Zaporizhia, Mariupol, passando a dominar cerca de 15% do território do país. Em Kiev, com o tempo, a situação praticamente voltou ao normal, equivalente a antes do início do atual conflito. Mas a Ucrânia, com o apoio do Ocidente, deu início a uma contra-ofensiva, empurrando as forças russas para próximo a sua fronteira e retomando cidades importantes, como Kharkiv.
3) Acuada, a Rússia deu início a uma manobra política já utilizada na península da Crimeia, em 2014. Realizou quatro referendos em territórios ocupados parcialmente - além de Donetsk e Luhansk, em Kherson e Zaporizhia. A ideia era dar um verniz legal à anexação, fazendo passar a ideia de que a maioria da população queria que as áreas passassem a ser consideradas russas. De fato, foi o que ocorreu. Após o referendo ilegal, com eleitores sendo coagidos a votar "sim" à anexação, o presidente Vladimir Putin anunciou o reconhecimento dessas áreas como parte do território russo. Também convocou o recrutamento de 300 mil soldados - ali, caiu o véu. O que Putin chamava de "operação militar especial" passou, na prática, a ser visto pelos cidadãos russos como uma guerra. Milhares fugiram do país para evitar a convocação.
4) Pode-se afirmar que a guerra entrou em novo estágio. A explosão da ponte sobre o estreito de Kerch, que liga o território russo à Crimeia ocupada, e a resposta da Rússia, com o lançamento de 75 mísseis sobre a Ucrânia nesta segunda-feira (10), revela várias coisas. A primeira delas a capacidade da Ucrânia, com apoio de inteligência e armas do Ocidente, de atacar infraestruturas russas, como a própria ponte. A construção, orgulho de Putin (que, aliás, tem um fascínio pessoal por pontes), serve como caminho logístico para armas, deslocamento de tropas e mantimentos para o front Sul. Além disso, há todo o aspecto simbólico. A ponte foi erguida a um custo de 3 bilhões de euros, em 2018, e inaugurada pelo próprio Putin. É o único caminho direto entre a Rússia e a Crimeia anexada.
No lado ucraniano, o país voltou a sentir mão pesada do Kremlin, especialmente na capital, que não era atacada desde 26 de junho. Nesta segunda-feira (10), as cenas do início do conflito se repetiram, com milhares de cidadãos buscando, na hora do rush, abrigos antiaéreos em residências e estações de metrô.
Putin está sob pressão. É como um rato preso em uma gaveta, que costuma se tornar mais agressivo. Além das perdas no front, enfrenta crescente desconfiança interna: população que foge do recrutamento, elite de Moscou e São Petersburgo que começa a ser convocada para a batalha e a linha dura do regime, liderada pelo ex-presidente Dmitri Medvedev, que incentiva o uso de armas nucleares. Putin acuado é mais perigoso. A situação, infelizmente, é ainda mais perigosa do que vimos até aqui.