Não foi tão simples quanto o Kremlin esperava. A ideia era, assim como fizera em 2014 na Crimeia, a Rússia realizaria referendos nas quatro províncias ucranianas (Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporizhia) para dar um verniz de legalidade à anexação dessas regiões, por meio de um processo fraudulento e que viola o Direto Internacional. Dias depois, anunciaria essas áreas como territórios russos. No papel e para o gosto de Vladimir Putin, perfeito.
Deu certo em 2014 por três fatores: a Ucrânia era diferente àquela época, o sentimento nacionalista ainda não estava cristalizado completamente. Dois: não havia uma guerra aberta. Três - e, talvez, mais importante: o Ocidente ficou de braços cruzados diante da anexação da estratégica península no sul do país.
As áreas que Vladimir Putin tenta, agora, abocanhar, o equivalente a 15% do território da Ucrânia, estão banhadas por sangue. A frente de batalha muda a cada dia, a ponto de a Rússia ter apresentado duas demonstrações de recuo desde sexta-feira (30), quando Putin anunciou a nova anexação. O primeiro deles veio na segunda-feira (3): em um claro sinal da pressão no campo de batalha, o regime admitiu não saber quais são as fronteiras das quatro regiões que declarou como suas.
- Vamos continuar a consultar as pessoas que vivem nessas áreas - disse o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, ao ser questionado sobre o status das duas áreas anexadas do sul ucraniano, Kherson e Zaporizhia.
Se disse isso a respeito de Kherson, por exemplo, onde o domínio russo é quase total, imagine nas outras três áreas, onde há combates intensos. No caso de Zaproizhia, onde fica a maior usina nuclear da Europa, o norte do território nunca chegou a ser tomado pelos russos.
No caso de Donetsk e Luhansk, províncias separatistas reconhecidas por Putin dias antes da invasão de 24 de fevereiro, a situação é ainda mais complexa. Essas áreas, de maioria de falantes russos, não apenas foram a gênese da atual guerra como simbolicamente podem definir a vitória total ou a derrota da Rússia - ou ainda a paz nos termos de Putin. Mais: nesta terça-feira (4), mapas apresentados pelo Ministério da Defesa russo mostram retiradas rápidas das tropas de Putin nesses territórios (além do Sul), pressionadas pela contraofensiva ucraniana. Embora a pasta não tenha mencionado nenhuma retirada na sua atualização diária por videoconferência, nos mapas que eram utilizados para ilustrar as falas era possível constatar que uma área sombreada atribuída ao controle militar russo era muito menor do que no dia anterior. No nordeste da Ucrânia, onde a Rússia sofreu derrota no mês passado, as forças pareciam ter recuado cerca de 20 quilômetros para Leste, até a fronteira da província de Luhansk.
Isso significa duas coisas. Primeiro: a Rússia deixou de ocupar a província de Kharkiv - onde manteve durante vários meses uma administração. Segundo e mais importante: não está tão fácil sustentar a versão de que está ganhando a guerra. Os planos de Putin, por enquanto, não se confirmam na realidade.