O que ocorre agora, que a Rússia realizou nesta sexta-feira (30) a maior anexação de territórios na Europa desde a Segunda Guerra Mundial? Embora haja uma névoa de incertezas sobre os próximos passos da guerra, é possível prever alguns cenários.
O primeiro deles tem como base os próprios documentos assinados por Vladimir Putin, antes da festa preparada para o anúncio na Praça Vermelha. O governo reconheceu a independência de Zaporizhia, onde fica a maior usina nuclear europeia, e Kherson, cidade que, antes do conflito, contabilizava mais de 1 milhão de habitantes. Esses atos são semelhantes ao que Putin havia feito dias antes da invasão da Ucrânia, ao reconhecer as províncias separatistas de Donetsk e Luhansk.
Zaporizhia, Kherson, Donetsk e Luansk juntas conformam um naco de terra ucraniano de tamanho equivalente ao Estado de Santa Catarina.
O processo seguirá o manual já aplicado na Crimeia - e nada muito diferente do que o Kremlin já vinha aplicado, desde 2014, em Donetsk e Luhansk, as duas províncias onde parte dos cidadãos que falam russo pegaram em armas pela independência. É o que se chama de "russificação": consiste em uma série de medidas burocráticas para implantar a presença do Estado russo nos territórios e, aos poucos, ir apagando o que resta de Ucrânia.
A distribuição de passaportes russos para residentes e a substituição da moeda ucraniana, a grívnia, pelo rublo, são duas delas. Em Kherson e Zaporizhia, as duas moedas estão em circulação.
O currículo das escolas também deve ser alterado, com professores passando a adotar o programa de ensino russo - o que passará por uma profunda revisão de conteúdos relativos à história dos dois países, completamente colado à ideia falsa de que Ucrânia e Rússia seriam "uma coisa só".
Não se faz revisionismo histórico sem propaganda: por isso, nas últimas semanas, painéis saudando o futuro dessas regiões como parte da Rússia foram instalados em ruas, avenidas e estradas das quatro áreas. As redes de telefonia e internet já foram, em parte, substituídas por provedores russos.
A segunda parte é mais complexa e exige a instalação de uma infraestrutura física com investimento russo - construção de prédios, pontes e estradas. Uma das obras de Putin que marcaram definitivamente a presença russa na Crimeia, por exemplo, foi a inauguração de uma ligação sobre o Estreito de Kerch. São 18 quilômetros entre o território continental da Rússia e a península ocupada e anexada.
A diferença é que, no caso das áreas agora ocupadas é que essas terras da chamada "Nova Rússia" (termo normalmente usado por Putin) não estão pacificadas - ainda corre sangue por lá. Apenas Luhansk está controlada totalmente pelos russos. As outras três têm áreas controladas pela Ucrânia. E o governo da Ucrânia promete continuar lutando para recuperá-las. O que pode significar o acirramento do conflito. Com outra diferença: a partir desta sexta-feira (30), um ataque contra Zaporizhia, Kherson, Donetsk e Luhansk será considerado por Putin um ataque contra a própria Rússia.
Os decretos assinados entre Putin e líderes pró-Rússia das quatro regiões, que estiveram em Moscou, é uma parte de um processo orquestrado pelo Kremlin para dar um verniz de legalidade à anexação - a outra foram os referendos com cartas marcadas, realizados no final de semana passado, cuja vitória do "sim" à anexação não é reconhecida pelas Nações Unidas por terem sido marcados por fraudes e coação.