Em sete meses de guerra na Ucrânia, completados no sábado (24), o Ocidente se acostumou a classificar o conflito como uma luta moral: entre o bem e o mal, entre a liberdade e a ditadura, entre os valores "ocidentais" e o "imperialismo". Pois bem, diante das cenas que começamos a ver nas fronteiras russas, de cidadãos do país de Vladimir Putin fugindo do recrutamento forçado, anunciado na semana passada, eu diria que é hora de a chamada comunidade internacional provar que a retórica é verdadeira. Abrir as fronteiras para quem foge do regime de Putin é também um imperativo moral.
Em crises de refugiados anteriores ao conflito, poucas vezes se viu na Europa tamanha solidariedade. Fui testemunha, como enviado especial ao Leste Europeu, em fevereiro e março, de como a fortaleza europa abriu seus portões para ucranianos em fuga da agressão de Putin - aliás, bem diferente do que costuma fazer com refugiados das guerras no Oriente Médio e na África.
O conceito de refugiado justamente classifica aqueles migrantes que são obrigados a deixar seu país de origem por guerras ou perseguições políticas - ainda que a guerra, nas palavras clássicas do general prussiano Carl von Clausewitz, seja a continuação da política por outros meios. No caso dos russos, impõe-se as duas coisas: quem quer escapar, foge do front (ainda que seu país seja o agressor) e, em caso de deserção, das catacumbas do Kremlin.
É guerra ou prisão para os 300 mil que estão sendo convocados desde terça-feira passada. Os relatos dos grotões russos são dramáticos: homens em idade militar acordados no meio da noite por oficiais do regime, com tempo suficiente para pegar apenas algumas peças de roupa e talvez sem dar um beijo - que poderá ser o último - a mulheres, pais e filhos. Não a toa o Google registrou aumento das buscas pelo termo "como quebrar a mão" em seu site, na Rússia. Trata-se de uma forma de burlar o recrutamento.
No sábado, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, pediu que os líderes europeus abram suas fronteiras para "aqueles que não querem ser instrumentalizados pelo Kremlin". Nesta segunda-feira (26), deve ocorrer uma reunião de embaixadores da União Europeia sobre o tema. A Finlândia, com quem a Rússia compartilha uma fronteira de 1,3 mil quilômetros de extensão, deve ser o país europeu mais atingido pela leva de refugiados. Os números de quem tenta cruzar o limite dobraram em dias. A maioria dos refugiados, no entanto, tem seguido para ex-repúblicas soviéticas, como Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Uzbequistão - pelo acesso mais fácil e pelo idioma. O caso finlandês é exemplar de como a UE precisa agir - só na quinta-feira passada, cerca de 6 mil russos entraram no país europeu, um aumento de 107% em comparação com o mesmo dia da semana anterior. Passagens terrestres permaneceram entre os poucos pontos de entrada depois que uma série de países fechou fronteiras físicas e seu espaço aéreo para aviões russos em resposta à invasão da Ucrânia. A Finlândia decidiu mantê-las abertas, embora tenha reduzido o nível de relação diplomática.
A guerra na Ucrânia é de Putin. Não de todos os russos.