Toda revolução costuma ter um estopim, a fagulha que faz explodir a panela de pressão já em ebulição. Em geral, trata-se de um ato desumano, autoritário, a morte de um inocente, algo que, somado a um descontentamento que urge vir a tona, faz, em algum momento, a população dizer chega.
A nova crise no Irã, governado por uma ditadura religiosa dos aiatolás desde 1979, teve como estopim a morte de Mahsa Amini, 22 anos, detida pela polícia de costumes por supostamente não estar usando o véu islâmico, o hijab. Três dias depois, ela saiu direto da prisão para o hospital no qual morreu. A fala oficial diz que foi ataque cardíaco. A família e boa parte das iranianas e iranianos não engoliram essa versão.
Há seis dias, pelo menos 15 cidades do país se levantaram contra o regime. Há ataques a carros policiais e delegacias, mas, como em todas as revoluções, os gestos mais simbólicos e poderosos costumam ser aqueles despojados de violência: muitas mulheres passaram a retirar o véu islâmico, em franco desafio aos fanáticos religiosos, e jogá-lo em fogueiras.
Desde a Revolução Islâmica, em 1979, quando os aiatolás liderados por Ruhollah Khomeini assumiram o poder em Teerã, depondo o xá Mohammad Rezhla Pahlavi , o véu é obrigatório para mulheres. Aquelas que descumprem a regra, enfrentam repreensões públicas, multas e prisões. Tirá-lo, agora, é um ato de resistência poderoso.
O governo, seguindo a cartilha habitual das ditaduras de qualquer matiz, tem reprimido as manifestações com truculência, gerando mais de 30 mortos, pelo menos 500 detidos e amplificando o terror de Estado. Nos últimos dias, o sinal de internet foi cortado no país como forma de tentar conter os protestos, em grande parte organizados por redes sociais.
A morte de Mahsa Amini foi a gota d'água, o estopim de um mal-estar iraniano, que vai além da truculência do regime, da ditadura dos costumes e da violação de direitos humanos, em especial das mulheres.
Não há país no mundo que não tenha saído da pandemia pior do que entrara - e o reflexo disso é a derrocada de governos em várias partes do mundo. Mas, no caso iraniano, além da inflação, que joga os preços na estratosfera, algo que todos nós estamos sentindo, há os efeitos de um longo período de sanções econômicas impostas pelo Ocidente.
O Irã, pobre país rico em petróleo, sofre desde 2018 com as punições americanas, depois que os Estados Unidos retiraram-se unilateralmente do acordo internacional sobre o programa nuclear - que permitia o alívio das sanções. Veio a pandemia (o Irã foi o mais afetado pela covid-19 no Oriente Médio), e, agora, faltam alimentos e emprego. Sem futuro, jovens buscavam, havia anos, estudar no Exterior. Mas agora desistem dos projetos por falta de condições financeiras. O governo está endividado e enfrenta evasão fiscal - isolado do sistema financeiro internacional, perdeu seus clientes do petróleo, privando o regime de recursos essenciais.
O Irã está diante da mais grave crise macroeconômica desde a Revolução de 1979. A panela de pressão estava pronta para explodir. Faltava a trágica morte de Mahsa Amini.