Prepare-se para as próximas 72 horas. A guerra na Ucrânia, infelizmente, deve escalar alguns níveis, colocando Rússia e Ocidente, perigosamente, em rota de colisão direta. O transbordamento do conflito, que nos primeiros dias da invasão, em fevereiro, temia-se que ocorresse caso um míssil caísse próximo à fronteira polonesa, deve se dar, agora, de outra forma.
Desde segunda-feira (26), um dos principais gasodutos do mundo, o Nord Stream 1, símbolo da ligação energética entre Rússia e Ocidente, está jorrando gás, depois de sofrer danos sem precedentes devido a duas explosões. As imagens mostram uma grande área com bolhas na superfície do Mar Báltico, próximo às águas territoriais suecas. Dinamarca e Alemanha, além da própria Suécia, estão investigando o que pode ter causado as explosões. Sabotagem é o mais provável.
Desde o início do conflito, o Nord Stream 1 está no centro da tensão. Inaugurado em 2011, o gasoduto desova, por baixo das águas geladas do Mar Báltico, 40% do gás que aquece lares e move a indústria europeia. Desde julho, ele está despejando apenas 25% de sua capacidade - e o Nord Stream 2, que seria inaugurado agora, foi adiado por tempo indeterminado. Vladimir Putin joga com a dependência europeia do gás no xadrez político. E, a se confirmar um ataque deliberado à megaestrutura, esse poderia ser considerado um ato de guerra.
Além disso, o resultado dos referendos de anexação das regiões ucranianas ocupadas pela Rússia, que ocorrem desde sexta-feira, pode ser anunciado a qualquer momento. A "vitória" do voto pela união com a Rússia nas áreas de Donetsk, Luhansk, Zaporizhia e Kharkov não surpreenderá ninguém, muito menos a Ucrânia. Já se fala em 97% para o "sim", o que, obviamente, é fruto de fraude. Foi assim na Crimeia, em 2014. Trata-se não apenas de uma maneira prática de Putin de abocanhar quatro territórios, dando um verniz político à situação, como de continuar com sua narrativa, segundo a qual estaria "libertando" os ucranianos que ali vivem.
Ucrânia e Nações Unidas consideram os referendos ilegais. Segundo a rede BBC, soldados armados coletavam votos de porta em porta em algumas áreas - enquanto, em outras, sequer houve votação. No dia seguinte à anexação, Rússia irá elaborar leis rapidamente. Não se surpreenda se infraestruturas críticas forem construídas, da noite para o dia, nas regiões. Também foi assim na Crimeia, onde até uma ponte ligando a Rússia continental e a península foi erguida em tempo recorde sobre o mar.
Para coroar esse dia em que o mundo deu um passo rumo ao Apocalipse, o ex-presidente russo de 2008 e 2012, Dmitri Medvedev, protegido de Putin e número 2 no Conselho de Segurança, foi na terça-feira (26) mais explícito do que o chefe, ao elevar a ameaça e dizer que pode usar armas nucleares contra a Ucrânia.
- Vamos imaginar que a Rússia seja forçada a usar a mais assustadora arma contra o regime ucraniano, que cometeu atos de agressão de larga escala que são perigosos para a própria existência de nosso Estado. Eu acredito que a Otan não vai interferir diretamente no conflito mesmo nesse cenário - disse.
Preste atenção às palavras: a doutrina militar do Kremlin prevê que armas nucleares só podem ser usadas caso a existência do Estado russo esteja ameaçado. Assim que Putin declarar vitória nos referendos, um ataque a esses territórios será considerado um ataque à própria Rússia. Estará conformado o argumento da "ameaça à existência russa". O gesto seguinte será o apertar do botão.