![YURI KADOBNOV / AFP YURI KADOBNOV / AFP](https://www.rbsdirect.com.br/filestore/7/6/2/3/8/8/3_92209fecc7444dd/3883267_76ad16ce303db41.jpg?w=700)
A idade avançada, o silêncio dos últimos anos e as doença do corpo pouco ajudam a compreender o que Mikhail Gorbachev, morto na terça-feira (30), pensava sobre a atual guerra na Ucrânia, a cartada mais ousada de Vladimir Putin em seu sonho de colar as peças do império que o último líder da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) ajudou a despedaçar.
Gorbachev era contra a abordagem militar na relação com a Ucrânia, a primeira das repúblicas soviéticas a declarar independência naquele frenético ano de 1991. Em 26 de fevereiro de 2022, dois dias depois do início da invasão atual, a Fundação Gorbachev, que defende seu legado, lançou uma nota na qual pedia o fim das hostilidades e o início de negociações de paz. Mas o ex-líder, prestes a completar 91 anos à época, se mantinha em silêncio.
Com relação à Crimeia e a Putin sabe-se o que pensava. Gorbachev defendia a "reanexação" da península, onde nascera sua mãe e sua mulher, como território russo, desde que mediante um plebiscito no qual a maioria da população local votasse nesse sentido. Sobre o presidente russo, ele fora do apoio, no início do anos 2000, à crítica comedida. O último líder da URSS encontrara no ex-chefe do FSB (serviço secreto herdeiro da KGB) o inimigo útil: a agenda de Putin era baseada na recuperação da indústria e das empresas que seu rival, Boris Yeltsin, estatizara nos trágicos anos 1990. Gorbachev também apoiava, inicialmente, a política externa assertiva e em defesa dos interesses nacionais de Putin. Mas, quando o autocrata do Kremlin, começou a mostrar as garras, a partir de 2012, o ex-líder buscava se afastar. Aos poucos, se tornou um crítico. Certa vez chegou a chamá-lo publicamente de "ditador", mas não passou muito disso. Na segunda década do século 21, Putin começou a colocar em prática a agenda da "Grande Rússia", que busca o reposicionamento do país como potência global - e, em geral, inspirada por um saudosismo da era soviética. Nesta quarta-feira (31), seu governo lançou uma nota sobre a morte de Gorbachev.
- Ele liderou nosso país durante um período de mudanças complexas e dramáticas, política externa em larga escala e desafios econômicos e sociais - dizia o comunicado. - Ele entendeu profundamente que as reformas eram necessárias, ele se esforçou para oferecer suas próprias soluções para problemas urgentes.
É difícil tentar extrair algum sentimento do quase gélido texto. Uma visão mais aproximada sobre o que Putin e seus seguidores pensam sobre Gorbachev pode ser entendido pelo tuíte de Margarita Simonyan, editora-chefe da RT (anteriormente Rússia Today), o serviço estatal de informações do Kremlin.
- Gorbachev está morto - escreveu Simonyan. Hora de recolher o que foi espalhado.
No final dos anos 1980, Gorbachev defendia que cada uma das 15 repúblicas soviéticas decidissem seu próprio destino. Um a um, como peças de dominó, os regimes comunistas começaram a tombar. Não à toa, Putin considera o colapso da URSS a maior catástrofe geopolítica do século 20. E, por isso, está disposto, na base do canhão, a reconstituir o império.