Morreu nesta terça-feira (30), aos 91 anos, o último líder da União Soviética antes de sua dissolução, Mikhail Gorbachev. O político teve um governo tumultuado já nos últimos anos da União Soviética e foi associado aos termos perestroika e glasnost.
"Hoje à noite (terça), após uma longa e grave enfermidade, Mikhail Sergeyevich Gorbachev morreu", informou o Hospital Clínico Central (TSKB).
Visto pelos países ocidentais como o homem que acabou com a Guerra Fria, Gorbachev era acusado por muitos russos de ter iniciado as ousadas reformas de abertura do Estado que levaram ao colapso da União Soviética.
Tendo chegado ao poder em 1985, Gorbachev lançou uma série de reformas políticas e econômicas com a ideia de modernizar e democratizar a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que enfrentava graves crises. Ocupou o cargo de presidente da União Soviética, entre 1990 e 1991, antes de ter de renunciar em 25 de dezembro de 1991, desencadeando o fim da URSS.
Poucos líderes no século 20 tiveram um efeito tão profundo em seu tempo. Em pouco mais de seis anos tumultuados, Gorbachev levantou a Cortina de Ferro, alterando decisivamente o clima político do mundo.
20 anos transformadores
Em casa, ele prometeu e deu maior abertura ao se preparar para reestruturar a sociedade e a economia vacilante de seu país. Não era sua intenção liquidar o império soviético, mas cinco anos depois de chegar ao poder ele presidiu a dissolução da URSS.
Ele acabou com a desventura soviética no Afeganistão e, em extraordinários cinco meses em 1989, ficou parado enquanto o sistema comunista implodia dos Bálticos aos Bálcãs em países já enfraquecidos pela corrupção generalizada e economias moribundas.
Por isso, ele foi expulso do cargo por conspiradores comunistas de linha dura e liberais desapontados, o primeiro grupo temendo que ele destruísse o antigo sistema e o outro temendo que ele não o fizesse.
Quando chegou ao poder, Gorbachev era um filho leal do Partido Comunista, mas que passou a ver as coisas com novos olhos.
— Não podemos mais viver assim — disse ele a Eduard Shevardnadze, que se tornaria seu ministro de Relações Exteriores de confiança, em 1984.
Em cinco anos, ele havia derrubado muito do que o partido considerava inviolável. Homem de abertura, visão e grande vitalidade, ele olhou para o legado de sete décadas de regime comunista e viu a corrupção oficial, uma força de trabalho sem motivação e disciplina, fábricas que produziam mercadorias de má qualidade e um sistema de distribuição que garantia aos consumidores pouco em prateleiras — vazias de quase tudo.
A União Soviética se tornou uma grande potência mundial oprimida por uma economia fraca. Os problemas eram claros; as soluções, menos. Gorbachev teve que tatear em direção à sua prometida reestruturação dos sistemas políticos e econômicos soviéticos.
Glasnost e Perestroika
A abertura que Gorbachev buscava — o que veio a ser conhecida como glasnost — e sua política de perestroika, destinada a reestruturar os próprios fundamentos da sociedade, tornaram-se uma faca de dois gumes. Ao se preparar para preencher os "espaços em branco" da história soviética, como ele disse, com uma discussão franca dos erros do país, ele liberou seus impacientes aliados para criticá-lo e a ameaçada burocracia comunista para atacá-lo.
Um quarto de século após o colapso, Gorbachev disse à agência Associated Press que não havia considerado o uso da força generalizada para tentar manter a URSS unida porque temia o caos em um país nuclear.
— O país estava carregado até a borda de armas. E isso teria imediatamente empurrado o país para uma guerra civil — disse ele.
Muitas das mudanças, incluindo a dissolução soviética, não tinham nenhuma semelhança com a transformação que Gorbachev havia imaginado quando se tornou o líder soviético em março de 1985. Ao final de seu governo, ele estava impotente para deter o turbilhão que havia semeado. No entanto,ele pode ter tido um impacto maior na segunda metade do século 20 do que qualquer outra figura política.
Os russos o culparam pela implosão da União Soviética em 1991 — uma superpotência outrora temível cujo território se dividiu em 15 nações separadas. Seus ex-aliados o abandonaram e fizeram dele um bode expiatório para os problemas do país.
Nobel da Paz
Gorbachev ganhou o Prêmio Nobel da Paz de 1990 por seu papel no fim da Guerra Fria e passou seus últimos anos colecionando elogios e prêmios de todos os cantos do mundo. No entanto, era amplamente desprezado em casa. Tanto que em 1996, tentou retornar ao centro do poder russo ao concorrer à eleição presidencial, no entanto, teve um desempenho ruim.
— Eu me vejo como um homem que iniciou as reformas necessárias para o país, para a Europa e para o mundo — disse Gorbachev à AP em uma entrevista em 1992, pouco depois de renunciar o cargo de presidente.
— Muitas vezes me perguntam se eu teria começado tudo de novo se tivesse que repetir? Sim, de fato. E com mais persistência e determinação — disse.
Apesar de ter passado os últimos 20 anos de vida afastado da política, Mikhail Gorbachev regularmente se fez ouvir, preocupado com as novas tensões com Washington.
Frequentemente, instava o Kremlin e a Casa Branca ao diálogo e a chegar a um acordo para garantir a segurança mundial e reduzir seus arsenais, como havia feito nos anos 1980 com o então presidente americano Ronald Reagan.
Gorbachev era o último dirigente ainda vivo da época da Guerra Fria, um período que parece ecoar atualmente desde a ofensiva do presidente russo, Vladimir Putin, na Ucrânia, lançada em 24 de fevereiro.
O ex-líder soviético não falou em público sobre este conflito mesmo sendo um dos críticos mais contundentes de Putin.
Em 2021, o ex-líder lançou um livro de memórias, no qual lamenta não ter levado o país a um “bom porto”.
Origem
Mikhail Sergeyevich Gorbachev nasceu em 2 de março de 1931 em Stravropol, na Rússia, em uma família de imigrantes russo-ucranianos. Se formou em direito na Universidade de Moscou, em 1955, e estendeu a formação acadêmica em 1967, quando completou o curso de economia agrícola por correspondência.