Não é a primeira vez que riscos à central nuclear de Zaporizhia, na Ucrânia, tiram o sono de especialistas em energia nuclear.
Nesta semana, depois que ataques danificaram partes das instalações, duas informações que parecem contraditórias inquietam o mundo: a distribuição de iodo à população que vive no entorno e uma visita de técnicos da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) que começaria na quarta-feira (31).
Aquilino Senra, professor de Engenharia Nuclear da Coppe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que, nos protocolos, a distribuição de iodo só deveria ocorrer se já houvesse indícios de vazamento radioativo. Detalha que a ingestão de iodo não radioativo é recomendada, nesses casos, para saturar a tireoide e impedir a absorção de iodo de origem atômica, reduzindo o risco de câncer no órgão, a maior ameaça à saúde:
— Comprimidos de iodo não radioativo não são uma vacina protetora de longo prazo contra a radioatividade. Devem ser tomados preferencialmente uma hora antes da exposição à radioatividade e, no máximo, até 12 horas depois.
Mas se houvesse sinais de vazamento, argumenta, não seria viável a visita de técnicos às instalações, porque exporia a risco ainda mais pessoas à contaminação. Pondera, no entanto, que o objetivo da distribuição de iodo pode ser elevar o alarme sobre a central.
— Em uma guerra, é difícil saber a verdade — lembra.
Senra diz que, das seis usinas de Zaporizhia, duas ainda estão operando. Considera improvável um ataque de mísseis aos edifícios de contenção, onde ficam o reator nuclear e todos os materiais radioativos, construídos como última barreira contra a liberação de radioatividade. Se isso ocorresse, justifica, o efeito destrutivo não afetaria apenas o entorno, poderia chegar até a própria Rússia.
No entanto, diz que um "problema efetivo" seria a interrupção no resfriamento dos reatores. Explica que, mesmo se todas as usinas fossem desligadas, continuam gerando calor, embora menos do que em operação. O que garante esse cuidado é a rede de transmissão de energia elétrica que chega a Zaporizhia, acrescida de uma alternativa de emergência: geradores a diesel que ficam em prédios separados dos edifícios de contenção.
— A possibilidade de um míssil atingir os edifícios de contenção é baixa, mas o risco de interrupção da rede de eletricidade ou dos geradores é maior. Podem ser destruídos e, se ficarem inoperantes, não haverá refrigeração do reator. Isso cria condições para um grande acidente nuclear, como em Fukushima. Lá, uma onda de 15 metros, só ocorre de cem em cem anos, carregou tudo o que havia pela frente. Os prédios de contenção ficaram em pé, mas o tsunami levou as redes de energia e os geradores a diesel. Sem alimentação externa de eletricidade nem a alternativa de emergência, os reatores se aqueceram e houve o derretimento do núcleo — recorda Senra, que considera esse cenário "plausível" diante das atuais circunstâncias em Zaporizhia.
O que é Zaporizhia
É uma central nuclear formada por seis usinas com capacidade de 950 megawatts (MW) cada, o que totaliza 5,7 mil MW — quase metade de Itaipu, que tem 14 mil MW de potência instalada. É a central nuclear maior da Europa e quinta do mundo. Só há maiores no Japão, no Canadá e na Coreia do Sul (duas). São semelhantes às que existem no Brasil, em Angra dos Reis (RJ), com reatores de água pressurizada. São projetadas para impedir que haja liberação de radioatividade, mas não para resistir a ataques de mísseis.