São dois os subtextos do pronunciamento do presidente da Ucrânia, Volodimir Zelensky, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, que começou no domingo (22) após dois anos de interrupção devido à pandemia de coronavírus. Primeiro: quem pagará a conta da reconstrução de seu país, quando a guerra acabar. Segundo: como o mundo evitará que “novas Ucrânias” surjam por aí, ao bel prazer das ambições de autocratas, como Vladimir Putin?
Zelensky falou por meio de vídeo no Fórum de Davos, como tem feito aos parlamentos mundo afora desde o início da guerra, que, nesta terça-feira (24), completa três meses. O presidente afirmou que seu país precisa de US$ 5 bilhões por mês para ser reconstruído. Foi comedido. Estudos consideram que só os estragos diretos em rodovias, pontes e outras estruturas somam US$ 30 bilhões. O Centro de Pesquisa de Política Econômica (CEPR, sigla em inglês), afirma que, levando em conta todos os setores da economia, as perdas totais chegam a US$ 1 trilhão.
Durante sua fala, Zelensky convidou empresas globais que fecharam sedes na Rússia, como represália à invasão, para que migrem para a Ucrânia. Mas, sejamos sinceros: qual empresário hoje investiria em um país em guerra, senão por filantropia?
Mais: no discurso, Zelensky evocou George Marshall, autor do projeto que ajudou a reconstruir a Europa Ocidental após a Segunda Guerra Mundial. Segundo o presidente, suas propostas para reconstruir o país se assemelham ao plano do século 20 e se opõe "à fome, pobreza, desespero e caos". Mas quem financiaria um Plano Marshall para a Ucrânia?
Ao menos há uma certeza: não haverá investimento sem que as armas se calem. E, ao se completar o primeiro trimestre de conflito, não há sinal de retomada de negociações. Estados Unidos e países da União Europeia (UE), por sua vez, estão esgualepados, com índices de inflação nas alturas e pagando o custo econômico da pandemia de covid-19.
A plateia de Davos, integrada por 2,5 mil líderes mundiais, entre políticos, empresários e representantes da sociedade civil, aplaudiu Zelensky de pé. Não seria diferente. O ex-ator e presidente incorpora o ideal liberal atacado por Rússia, China e por outros governos que desafiam a ordem global pós-Segunda Guerra Mundial erguida pelos EUA. Pela primeira vez, a Rússia não tem representantes no evento.
O segundo pedido de Zelensky tampouco é factível a curto prazo: assim como os anos 1990 do século 20 pariram os “ataques preventivos”, o presidente ucraniano propôs, agora, “sanções preventivas” como suposto mecanismo para se evitar futuras ocupações militar.
- É preciso que haja um precedente de punição aos agressores. Se o agressor perder tudo, esse será o preço que terminará com a motivação para que comece ou continue uma guerra. O mundo ainda não tem as ferramentas prontas para isso - disse.
Até tem. Ou deveria ter. A guerra da Ucrânia reforçou a percepção de inoperância da Organização das Nações Unidas(ONU) e de seu Conselho de Segurança em evitar o conflito, função para a qual foi erguida no pós-1945. Pela ideia de Zelensky, um governante pensaria duas vezes antes de invadir um país independente caso já estivesse sob sanções econômicas.
Não custa lembrar, a Rússia de Putin já estava sob sanções do Ocidente muito antes de o Kremlin começar a cercar o país. Também é importante salientar que, em uma economia globalizada, as punições aplicadas reverberam, como bumerangue, do lado de cá do globo.
Troque a Ucrânia por Taiwan, uma província rebelde que a China, tudo indica, irá, em algum momento, retomar à força. O Ocidente seria capaz de impor sanções econômicas preventivas? Não, e por dois motivos: porque os EUA têm uma relação dúbia com a China - não reconhece Taiwan como um país independente (ou seja, é menos do que a Ucrânia em termos de status). E, principalmente, porque a China não é a Rússia. Sua economia está capilarizada de tal forma que, hoje, seria impossível isolá-la do sistema internacional.