Se você acompanhou a novela da disputa pela tecnologia 5G no Brasil, nos últimos anos, e a inclusão ou não da empresa chinesa Huawei no leilão, esse tema tem a ver com a viagem de Joe Biden à Ásia.
Se ficou preocupado com o atraso do envio de insumos para a produção da CoronaVac, em 2021, o assunto também está relacionado com a visita do presidente americano.
Mesmo que não tenha acompanhado nenhum desses temas, certamente viu o Talibã retomar o poder no Afeganistão ou o ditador da Coreia do Norte disparar mísseis no Pacífico. E, claro, a Rússia de Vladimir Putin invadir a Ucrânia.
Tecnologia, comunicação, inteligência artificial, pandemia, saúde e segurança internacional. Tudo isso é pano de fundo da viagem de Biden à Ásia. O conflito na Ucrânia causa estupor, revolta, está redesenhando a segurança europeia, afeta o nosso bolso, mas o friccionar das placas tectônicas globais se dá, não pela disputa entre americanos e russos, apesar dos ecos da Guerra Fria. É a rivalidade entre EUA e China que irá pautar a política e a economia mundiais neste século.
A questão é: a ordem global liberal construída por Washington no pós-Segunda Guerra Mundial, consolidada com o colapso soviético, está em xeque com a ascensão econômica e militar de Pequim, potência questionadora do sistema internacional. Estamos longe de vermos o iuan substituir o dólar como moeda global, nem mesmo imagino que filmes chineses suplantarão Hollywood. Mas em termos de influência econômica e de capacidade de ditar os rumos da política internacional, o mundo já olha muito mais para o Oriente.
A "ameaça" chinesa é o único tema que unifica democratas e republicados, Biden e Donald Trump. Com mais ênfase a partir da crise econômica global de 2008, os EUA passaram a tratar o tema como de altíssima prioridade de sua política externa - tanto que a China aparece (com a Rússia em menor grau) em todos os documentos estratégicos americanos como potência desafiante dos valores e interesses americanos. A frase de Biden durante a viagem, segundo o qual o futuro será inscrito no Indo-Pacífico, revela esse desafio.
O americano iniciou sua viagem pela Coreia do Sul, esteve no Japão e retorna, nesta terça-feira (24), a Washington. O objetivo principal é reforçar as alianças com os parceiros regionais diante do avanço chinês.
E o que isso tem a ver com os temas do início desse texto? Primeiro, os americanos veem as empresas chinesas de tecnologia da informação, praticamente todas com participação estatal (leia-se do Partido Comunista Chinês), como uma ameaça à segurança de dados (civis e militares) na internet. Segundo, a pandemia mostrou a necessidade de se diversificar as cadeias de suprimentos globais. Terceiro, o futuro do Afeganistão sob o Talibã, e de certa forma parte do legado da Guerra ao Terror, passa pelo apoio (ou não) dos chineses aos fundamentalistas. Os arroubos de grandeza de Kim Jong-un com mísseis dependem de Pequim, que, também, observa com cuidado a invasão da Rússia à Ucrânia para medir ônus e bônus de uma eventual tomada de Taiwan pela força. Aliás, a própria posição da China dita parte do futuro da guerra. Putin, sozinho, tem força relativa. Com Xi Jinping, pode ser mais perigoso.