Às voltas com frequentes denúncias de violações de direitos humanos, a família real do Catar, país da Copa, vive, desde domingo (29), uma tragédia com nuances de mistério, drogas, suspeita de abuso sexual e disputas judiciais. Kasia Gallanio, ex-princesa do país do Golfo Pérsico, foi encontrada morta nesse dia em um apartamento em Marbella, balneário do sul da Espanha. A mulher de 45 anos foi uma das esposas de Abdelaziz bin Khalifa al-Thani, tio do atual emir do Catar, o xeque Tamim bin Hamad al-Thani.
Kasia e o ex-marido estavam separados e brigavam na Justiça pela guarda das três filhas, duas delas gêmeas de 17 anos. Inicialmente, as jovens ficaram com o pai, mas o caso voltou aos tribunais depois que Abdelaziz, príncipe do Catar, foi acusado de abuso sexual pela filha menor, entre os nove e os 15 anos, denúncia que ele nega.
A morte da ex-princesa está cercada de mistério, mas a principal suspeita é que ocorreu devido a abuso de drogas. O resultado da necropsia deve ser anunciado nos próximos dias. O corpo, sem marcas de agressão, foi encontrado pela polícia espanhola depois que a filha mais jovem, que mora na França, telefonou para as autoridades ao perceber que a mãe não atendia ao telefone havia alguns dias.
Abdelaziz, o ex-marido de 74 anos, tem imunidade diplomática e nega qualquer relação incestuosa com a filha. A disputa pela guarda já dura 10 anos. Dono de imensa fortuna, ele mora na França desde que deixou o cargo de ministro do Petróleo e Finanças do Catar, em 1992.
Não é a primeira vez que a família real do Catar é notícia internacional. Em 2018, o xeque Abdullah bin Ali al-Thani apareceu em um vídeo, dizendo ser mantido, contra a sua vontade, nos Emirados Árabes Unidos pelas autoridades daquele país. Esse caso estava diretamente relacionado às disputas políticas regionais - Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Egito romperam relações diplomáticas com o Catar, acusando a casa real Al-Thani de apoiar grupos extremistas e de se aproximar do Irã, grande rival dos sauditas na região. Eles também estão em lados opostos na guerra do Iêmen.
Embora não estejam relacionados diretamente com a Copa do Mundo, a morte da ex-princesa, envolta em mistério, e o conflito geopolítico na península árabe servem de combustível para os críticos da Fifa e de sua proximidade com regimes ditatoriais, como o do Catar. A entidade que comanda o futebol mundial é acusada de adotar dois pesos e duas medidas em temas da geopolítica: a Fifa suspendeu a Rússia das Eliminatórias - e por consequência da Copa - e de outras competições internacionais, mas faria vistas grossas com relação ao Catar, acusado de uma série de violações aos direitos humanos - a mais recente vem a partir de um relatório da Anistia Internacional divulgado em 7 de maio sobre a condição desumana dos trabalhadores que atuam nas obras do Mundial, suportando calor de 50ºC e sem direito a abrigo e água potável. O documento de 74 páginas, intitulado "Eles pensam que somos máquinas", mostra a relação entre os organizadores do Mundial, a Fifa e os governantes do Catar, acusados de estarem diretamente ligados aos abusos. Desde 2010, quando o país foi escolhido para sediar o campeonato, 2 milhões de estrangeiros de diversas partes da Ásia e da África desembarcaram no Catar em busca de trabalho. Sob pressão internacional, o regime do país implementou alguns avanços, mas o quadro continua preocupante. A Fifa tem respondido às acusações informando que não aceita nenhum abuso de trabalhadores por parte de empresas contratadas na preparação e na entrega da Copa.