A Copa do Mundo do Catar, que se realizará em novembro de 2022, será uma das mais políticas de todos os tempos. Por vários aspectos. O tema candente será a guerra entre Rússia e Ucrânia. Ainda que se chegue a um cessar-fogo até lá, o conflito já marcou o esporte - como tantos outros já o fizeram ao longo da História.
A Rússia disputaria a repescagem europeia das eliminatórias contra a Polônia, mas foi eliminada sem entrar em campo - e há a possibilidade de o país ser banido para sempre da Fifa por conta das atrocidades na Ucrânia.
Antes de a guerra começar, a própria sede da Copa já era uma questão polêmica. O Catar é uma monarquia absolutista, que despreza direitos humanos, como de mulheres e da comunidade LGBTQIA+. Sem falar nas condições dos trabalhadores que construíram os novos estádios, conforme revelou uma reportagem do jornal The Guardian, segundo o qual 6,5 mil operários morreram desde que o país virou sede da competição. A denúncia foi lembrada ao vivo e a cores pela presidente da federação da Noruega, Lise Klaveness, no dia 31, para constrangimento de todos que esperavam o sorteio dos grupos, em Doha.
O trabalho em péssimas condições, por vezes análogo à escravidão, foi o fato novo em relação a um país do Golfo Pérsico conhecido pela violação dos direitos de minorias. Na verdade, para observadores mais atentos, o kafala é algo denunciado há décadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Em outras áreas, os direitos humanos também são há décadas violados. Nesta semana, a organização da Copa do Mundo avisou que não irá tolerar bandeiras de arco-íris, que representam o movimento LGBTQIA+ nas arquibancadas. Mais: afirmou que a medida é uma forma de "proteger" os torcedores.
No Catar, a legislação criminaliza a homossexualidade. Porém, o major-general Abdulaziz Abdullah al-Ansari afirmou que o país "vai receber bem os casais homossexuais".
No Catar, a rigidez política tem sido disfarçada, há décadas, pela abertura econômica, que fez o país buscar aliados comerciais pelo mundo. Por isso, hoje, é considerado por muitos o novo "Coração do Oriente Médio". O crescimento econômico e o potencial para a atração de investimentos ajudaram a aumentar as hostilidades com a Arábia Saudita. A ditadura saudita comanda o eixo de países - composto ainda por Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Egito, Iêmen e Líbia - que, em 2017, rompeu relações com o Catar e bloqueou voos com o país.
A acusação alimentada pela disputa pela hegemonia entre Arábia e Saudita e Irã é de que o país cria instabilidade na região ao supostamente apoia grupos radicais, como os extremistas do Estado Islâmico e da Al-Qaeda. O governo do Catar nega.
O tema causa saia justa para os Estados Unidos. O Catar é sede da emissora de TV árabe Al-Jazeera, conhecida como a CNN árabe, e é território da maior base militar americana no Oriente Médio, a unidade de Al-Udeid. Além disso, foi palco para o acordo entre os governos americanos e o Talibã em 2018 - três anos depois, os barbudos fundamentalistas passaram a perna no comando dos EUA, retomando Cabul de assalto e pondo para correr as tropas do Ocidente. Há ainda a desconfiança de que, nos bastidores, o Catar busque uma aliança com o Irã, principal rival saudita (e de Israel e dos EUA) na região.
Tamim bin Hamad al-Thani é o oitavo monarca do Catar, emirado fundado pela sua dinastia em 1847. Chegou ao poder em 2013 e logo viu sua Irmandade Muçulmana ser derrubada no Egito, durante a Primavera Árabe. Aos 41 anos, com três mulheres e 13 filhos, o xeque vive o momento mais positivo do reinado, a meses de receber a Copa do Mundo.
Até quando a Fifa vai passar a mão por cima de regimes autocráticos e aliviar questões de direitos humanos e legislações excludentes ao escolher os locais da Copa? E mesmo seus integrantes?