Uma nação marcada pelo racismo estrutural e pelas divisões raciais que volta e meia explodem em violência, os Estados Unidos já tiveram um presidente (Barack Obama) e têm uma vice-presidente (Kamala Harris) negros. Mas nunca uma mulher afro-americana chegou à mais alta instância judicial do país.
Essa realidade deve mudar nos primeiros dias de abril, com a aprovação, pelo Senado, de Ketanji Brown Jackson, 51 anos, indicada pelo presidente Joe Biden para ocupar uma cadeira na Suprema Corte.
Dos 116 magistrados na história do Tribunal, apenas dois negros figuram na galeria de juízes (ela será a terceira) e cinco mulheres (ela será a sexta).
Ketanji nasceu em Washington em 14 de setembro de 1970, ao fim de uma década de lutas pelos direitos civis. Seus pais, Johnny e Ellery, formaram-se nas HBCUs (Historically black colleges and universities, instituições de Ensino Superior estabelecidas durante os tempos de segregação). Na Flórida, a filha já estudou em escolas mistas, destacando-se em concursos de oratória.
Ketanji graduou-se em Gestão Pública, em 1992, e em Direito, em 1996, ambas pela Universidade de Harvard, onde foi editora da prestigiosa Harvard Law Review.
Ao longo da carreira, ela trabalhou como assessora jurídica e advogada, entre outros escritórios no Morrison & Foerster. Entre 2005 e 2007, foi defensora pública federal no Distrito de Colúmbia, onde atuou em processos no Tribunal de Apelações. É casada com o médico Patrick Jackson há 25 anos, com quem tem duas filhas, Talia, 21, e Leila, 17.
Normalmente já penoso, o processo de sabatina no Senado, que vai até quinta-feira (31), tem sido afetado pelas divisões ideológicas da sociedade americana atual, acirrada pelos anos do presidente Donald Trump no poder. Durante a prova, no Comitê Judiciário, os republicanos, em geral, têm feito de tudo para barrar o nome de Ketanji. Para isso, têm ressuscitado casos julgados pela juíza para tentar demonstrar suposta leniência da magistrada ou falta de neutralidade. Parte da estratégia é usar veredictos supostamente leves para crimes de pornografia infantil. Ou tentativas de envolvê-la em aspectos como o terrorismo para demonstrar suposta falta de patriotismo. Ketanji foi defensora pública do afegão Khi Ali Gul, que esteve preso em Guantánamo entre 2005 e 2007. Ele retornou ao Afeganistão sem condenações em 2014.
Diante da pressão, Ketanji tem respondido com firmeza e tranquilidade, mesmo diante de acusações agressivas. Em suas manifestações, ela tem evitado cair na guerra ideológica e garantido que atuará dentro dos princípios de neutralidade, independência e imparcialidade.
Como os democratas têm maioria no Senado (50 a 50, com o voto de minerva da vice-presidente, Kamala Harris), seu nome deve ser aprovado. Ela inclusive deve receber alguns votos a mais, de republicanos.
Ketanji ocupará a vaga de Stephen Breyer, que anunciou sua aposentadoria no início do ano. Ele é um juiz da ala progressista, mesma linha da substituta. Assim, o equilíbrio de forças na Suprema Corte não será alterado. O Tribunal seguirá com maioria conservadora, com seis juízes atuando segundo essa linha, três deles indicados por Trump. Três outros, contando com Ketanji, são considerados progressistas.