Quando uma guerra se torna mundial? A resposta parece óbvia: quando passa a envolver todos os países do mundo. Mas, convenhamos, nem todas as nações do planeta se engajaram nos dois grandes conflitos globais do século 20. E se pensarmos que as duas grandes guerras em algum momento começaram como conflitos regionais não é difícil imaginar que, no futuro, possamos olhar para a guerra na Ucrânia como o ato número 1 da Terceira Guerra Mundial.
É muito mais fácil nomear ou classificar episódios com distanciamento histórico. As pessoas, em 1760, não sabiam que estavam inaugurando a Revolução Industrial. Nem quem vivia na Idade Média se considerava nesse tempo. Essas classificações só foram feitas décadas ou séculos depois, quando o processo já estava consolidado.
Embora o mundo ensaiasse há anos pular no abismo, muito dificilmente alguém, em 28 de junho de 1914, teria visto no assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando em Sarajevo como o início da Primeira Guerra Mundial. Mesmo o analista mais visionário teria dificuldades para classificar a invasão da Polônia pelas tropas nazistas, em 1º de setembro de 1939, como o estopim da Segunda Guerra Mundial - os EUA só se envolveriam dois anos depois na guerra, a partir de Pearl Harbor.
Em ambos os casos, o jogo de alianças já estava alinhavado para que um ataque contra um parceiro acabasse arrastando todo um grupo de países para o inferno. Não era muito diferente do que há hoje. No caso da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), um ataque contra um membro é considerado um ataque contra todos.
Alguns cientistas sociais, como Paul Poast, da Universidade de Chicago, defendem que, no futuro, o 24 de fevereiro de 2022, que marca o início da invasão russa da Ucrânia, será visto como o primeiro episódio da Terceira Guerra Mundial. Isso porque, para esse pesquisador, armar ou financiar um dos lados é também uma forma de participar da guerra. Como se sabe, Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Holanda, Polônia e Bélgica estão fornecendo para a Ucrânia armamentos como mísseis do tipo Javelin e Stinger. Alguns países europeus, inclusive, têm facilitado o recrutamento de voluntários para a legião estrangeira ucraniana, e a Polônia é um dos principais caminhos pelos quais esse apoio tem passado.
Do lado russo, Vladimir Putin usa um segundo país para concentrar tropas - Belarus (olha o jogo de alianças aí) - e tem buscado o apoio de uma grande potência, a China. Ataques russos com desinformação e propaganda fazem o reitor da Universidade Estatal de Mariupol, Mykola Trofymenko, também pensar que a Terceira Guerra Mundial começou "há muito tempo".
- O conflito já começou há muito tempo por meio de ações de desacreditar a democracia com recurso à desinformação em larga escala e que a Ucrânia é apenas uma etapa - disse ele.
Não sejamos ingênuos: esse nunca foi um confronto entre Rússia e Ucrânia. É entre Rússia e Otan, tendo como palco a Ucrânia. Ao falarmos Otan estamos nos referindo a 30 países já engajados de uma forma ou de outra. Ainda que os combates não evoluam - tomara! - para uma Terceira Guerra Mundial, a crise na Ucrânia tem todas as características de conflitos nos moldes da Guerra Fria, que, de fria, não teve nada. Entre 1945 e 1989, ainda que as tropas de EUA e URSS não tenham se enfrentado diretamente, exércitos aliados ou grupos armados foram financiados pelas duas potências na Coreia (1950-1954), Vietnã (1955-1975) e Afeganistão (1979-1989), as chamadas guerras por procuração. Que a Otan luta na Ucrânia em 2022 por procuração não há dúvidas. Mas o que vai definir se esse conflito evoluirá para a Terceira Guerra Mundial serão os próximos passos. Um ataque à Polônia ou uso de armas de destruição em massa por Vladimir Putin certamente seriam o casus belli (expressão latina para designar um fato considerado suficientemente grave pelo Estado ofendido para declarar guerra ao ofensor), algo que ninguém quer. Mas o próprio Ocidente não traçou as linhas vermelhas a que Putin não poderia cruzar. Tivesse feito isso quando as tropas russas se avolumavam nas cercanias da Ucrânia desde novembro, talvez hoje a história fosse outra.