Desta vez, há sinais que provocam algum otimismo de que Rússia e Ucrânia possam avançar nas negociações, que ocorrem na Turquia nesta terça-feira (29).
O primeiro deles está no protagonismo de quem fez a abertura da rodada de diálogo, o próprio presidente turco, Receep Tayyp Erdogan. Nessas condições, uma alta autoridade, um chefe de Estado, só aparece em público quando há chances reais de um ganho ser anunciado. Dá peso à reunião. É a primeira vez que isso ocorre em quatro encontros presenciais entre negociadores ucranianos e russos - os demais foram por videoconferência.
Erdogan, por mais questionável que seja (é um protoditador), reúne as qualidades para um mediador: é próximo do Ocidente (a Turquia é membro da Otan) e, ao mesmo tempo, da Rússia (pela identificação ideológica e perfil autoritário).
Em segundo lugar, o local, que também é simbólico. As negociações, que ocorriam na fronteira com Belarus ou no interior turco, agora foram transferidas para Istambul, a grande, bela e disputada cidade milenar, por séculos (chamada Constantinopla) capital do Império Bizantino e, depois, do Império Otomano, por sua posição geográfica, entreposto entre Oriente e Ocidente. As conversas ocorrem no Palácio de Dolmabahçe, a última residência no Bósforo dos sultões e última sede do Império Otomano. Seria um palco perfeito para um anúncio de paz.
Outro sinal é a retomada dos encontros presenciais, depois de duas semanas na frieza das videoconferências pela internet e da tensão da última reunião.
Mas a maior evidência de que há avanço vem do front: a Rússia anunciou que irá reduzir drasticamente a atividade militar em torno de Kiev e Chernihiv. No final de semana, o governo Vladimir Putin anunciou o fim da primeira etapa da guerra. A redução é um sinal de boa vontade a ser mostrado na mesa de negociações em Istambul "com o objetivo de aumentar a confiança mútua e criar condições necessárias para futuras negociações".
Entretanto, desde o final de semana, havia um indicativo de que a Rússia pretende, a partir de agora, focar no seu real interesse, a região do Donbass, onde estão as repúblicas separatistas de Donetsk e Luhansk. Há quem diga que atacar outras regiões do país, inclusive a capital, Kiev, tenha sido uma cortina de fumaça de Putin nos primeiros dias de guerra para desviar a atenção do que realmente lhe interessa - as áreas do Leste.
Mas voltemos ao otimismo: o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, já disse que o país não deve integrar a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) - motivo alegado pelo Kremlin para a invasão. Mas não abre mão de ingressar na União Europeia (UE).
Nos últimos dias, tem afirmado que aceitaria uma neutralidade - algo parecido com os modelos de Áustria e Suécia, que não são membros da Otan e que têm baixo orçamento militar. O que não fica claro, por enquanto, é o que seriam as garantias de segurança que a Ucrânia deseja, mas pode-se intuir que seja algo semelhante ao que a Otan tem com outros países não membros, na forma de "aliado extra-Otan" (MNNA, major non-Nato Ally, na sigla em inglês), status que o Brasil obteve a partir da decisão do ex-presidente Donald Trump, em 2019. Ou a possibilidade de Israel, Polônia, Canadá e Turquia garantirem suas segurança.
A principal dúvida, entretanto, segue sendo as questões territoriais: os ucranianos aceitam discutir em 15 anos o status da Crimeia, anexada pela Rússia em 2014. O Kremlin queria o reconhecimento imediato da região como território russo. Sobre o Donbass, Zelensky já sinalizou que aceita dialogar, mas também afirmou que a autonomia da região teria de ser aprovada em referendo pela população ucraniana.
Um cessar-fogo não é o mesmo que um acordo de paz. Tecnicamente, significará que a guerra continuará. Mas será a melhor notícia de 2022 até agora.