Os atentados de 11 de setembro de 2001 mudaram o mundo e as relações internacionais: islamofobia, Guerra ao Terror, dois conflitos (Afeganistão e Iraque), que resultaram em novos grupos terroristas, como o Estado Islâmico, que provocaram ataques extremistas na Europa, são alguns dos efeitos diretos ou indiretos daquela manhã de terça-feira em Nova York e Washington. Os jatos comerciais arremessados contra prédios não derrubaram apenas as torres gêmeas. Alteraram a noção de segurança do mundo em geral e dos EUA em particular (ninguém nunca mais viajou do mesmo jeito). A reação americana aos atos perpetrados pelos 19 sequestradores a mando de Osama bin Laden guiaram por duas décadas a política externa da maior potência militar do planeta.
Em discurso no Congresso americano, na quarta-feira, o presidente Volodimir Zelensky afirmou que a guerra na Ucrânia é 11/9 da Europa. Embora tenha usado essa comparação como efeito de retórica, a fim de angariar mais apoio à Ucrânia, diante de uma Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) relutante, o presidente ucraniano não está errado.
Termine como terminar - e esperamos que logo -, a invasão russa da Ucrânia terá efeitos prolongados no sistema internacional e redesenhará o sistema de segurança europeu. Vejamos alguns dos sinais.
- Vladimir Putin conseguiu dar uma função à Otan no século 21 e mostrar que a aliança militar do Ocidente segue relevante. No início dos anos 2000, muitos estudiosos e estrategistas questionavam se o grupo era necessário, uma vez que se imaginava uma era de paz na Europa. Tanto que, em alguns momentos, sem o "inimigo russo", a Otan foi chamada a atuar fora de sua área de jurisdição (a Europa), tendo participado, por exemplo, de operações na Líbia durante a Primavera Árabe.
- A guerra reaproximou os EUA da Europa depois dos anos de Donald Trump se distanciando dos aliados do outro lado do Atlântico. O governo republicano alegava que os europeus deveriam arcar com os próprios custos de segurança.
- O conflito deflagrou uma corrida armamentista e de investimentos em defesa. A Alemanha, que desde a Segunda Guerra era avessa a uma abordagem militarizada da política externa, está participando do envio de armamento para a Ucrânia. O país também pretende gastar quantidades recordes em suas forças armadas a partir de 2022 para alcançar os 2% do PIB recomendado pela Otan nos próximos anos. Orçamento a ser debatido no parlamento nos próximos dias prevê 50 bilhões de euros para gastos militares este ano. Também a Suécia, historicamente um país neutro, aumentará seus gastos militares. A oposição no paós tem pressionado o governo socialdemocrata a iniciar diálogo para ingresso na Otan. Dinamarca também aumentará orçamento de defesa. Finlândia também fala em entrar na Otan.
- A guerra irá levar a uma versão atualizada da antiga Cortina de Ferro. O Reino Unido implementará em breve seu sistema antimísseis de médio alcance Sky Saber na Polônia. Confirmado pelo secretário de Defesa britânico, Ben Wallace, o projeto tem o objetivo de ajudar a Polônia, membro da Otan, de proteger seu espaço aéreo de uma possível agressão russa.
- Antes da guerra, a União Europeia (UE) estava fragilizada e desacreditada. A ameaça russa vai acabar reduzindo o euroceticismo e provocando uma maior integração europeia - principalmente em aspectos geopolíticos. Havia cautela dos governos em ceder para a instituição supranacional poderes de política externa. O pensamento europeu sobre defesa e segurança evoluiu muito nessas três semanas de guerra e ressuscitou o debate sobre a necessidade de reforçar a política de defesa e de segurança comum.
- A Rússia se ressente de ter sido afastada dos debates europeus depois do fim da Guerra Fria. Mas desde os anos 2000, o país vinha sendo um parceiro importante na luta contra o Estado Islâmico, era o principal fornecedor de gás para a Europa (o que gerou extrema dependenência na visão dos americanos) e ajudou a negociar pactos como o acordo nuclear com o Irã. Tudo isso acabou. Por seu lado, em seu afã de tornar a Rússia grande de novo (perdão pelo trocadilho), Putin acabou por se isolar - tornando-se um pária internacional, que até a China olha com desconfiança.