Um ano, quatro meses e cinco dias separam os gritos "Eu não consigo respirar", de George Floyd, e "Eu sou paraplégico", de Clifford Owensby. Para alguns, a rara condenação nos Estados Unidos do policial branco Derek Chauvin pelo assassinato do negro de Minneapolis asfixiado pelo joelho do agente foi símbolo de justiça em uma injusta sociedade regida pelo racismo estrutural.
Não é tão simples. Chauvin foi sentenciado a 22 anos e meio de prisão pelo assassinato de Floyd. Nesse período, alguns Estados americanos alteraram procedimentos de abordagem policiais, o movimento Vidas Negras Importam ganhou protagonismo mundial, o preconceito entranhado nas corporações de segurança virou assunto de campanha eleitoral, um presidente racista deixou a Casa Branca, uma lei sobre treinamento das forças é motivo de queda de braço entre democratas e republicanos no Congresso, mas, infelizmente, no dia a dia das metrópoles americanas cenas como aquela continuam ocorrendo, como um flashback sem fim.
Uma dessas é um vídeo em que Clifford Owensby, 39 anos, também negro, aparece sendo arrastado de seu carro por policiais enquanto grita insistentemente:
- Sou paraplégico.
O caso ocorreu em 30 de setembro. Clifford foi parado em Dayton, Ohio, por policiais que pediam que ele saísse do veículo para ser revistado em busca de drogas. O rapaz se recusou, dizendo ser incapaz de mover as pernas. Os policiais insistiram, e o puxaram para fora do carro pelos cabelos e pelos braços.
A cena foi gravada pela câmera instalada na farda de um dos policiais. Clifford pedia a um policial que chamasse um "camisa branca", ou seja, um superior.
- O negócio é o seguinte, vou puxar você para fora e depois chamar um camisa branca - respondeu o policial.
E começou o martírio, com gritos de Clifford já no chão.
Segundo a polícia, o carro foi parado por ter saído de uma casa onde havia pessoas suspeitas de tráfico de drogas. No veículo, os policiais encontraram US$ 22 mil. O homem não foi acusado de nenhum crime relacionado a drogas.
- Me arrastaram como um cachorro, como um lixo - disse Clifford, no domingo (10).
O Departamento de Polícia de Dayton abriu sindicância interna para apurar o caso. Entre as imagens de Floyd e Clifford, o que há é frustração, pois esperava-se que os Estados Unidos tivessem chegados a um ponto de inflexão a partir de Floyd. Mas não. Quantas cenas desse tipo ainda assistiremos? Depois de Floyd, houve Daunte Wright, outro afro-americano a morrer nas mãos da polícia, e tantos outros cujas cenas não foram gravadas nem repercutiram nas redes sociais.