Nesta semana, o presidente de Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, conhecido como "Bolsonaro da África", deve desembarcar no Brasil para uma visita oficial que tem provocado polêmica por alguns motivos.
O primeiro deve-se à decisão pouco comum do governo brasileiro enviar um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para transportá-lo. É praxe os presidentes visitantes viajarem em suas próprias aeronaves ou que seus governos paguem pelas despesas do voo. À Folha de S. Paulo, o Itamaraty justificou a decisão de bancar a viagem do líder africano baseada nos laços culturais, históricos, linguísticos e de amizade que o Brasil mantém com Guiné-Bissau e alegou que a pandemia prejudicou as conexões aéreas internacionais. O país africano de 2 milhões de habitantes é membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
A segunda polêmica envolve a personalidade e os gestos políticos do próprio Embaló. Integrante do Movimento para Alternância Democrática (Modem G-15), ele foi eleito em fevereiro de 2020 com a promessa de romper com a política tradicional, no poder em Guiné-Bissau desde a independência em relação à Portugal, em 1974. Sua vitória foi marcada por contestações de fraude eleitoral que foram parar na máxima instância jurídica do país.
No mês seguinte ao pleito, quando ainda havia contestações do resultado no Supremo Tribunal de Justiça, Embaló demitiu o primeiro-ministro Aristides Gomes, que havia sido eleito em 2019 em eleições legislativas nas quais o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) conquistou maioria dos assentos. Um comando armado entrou em sua casa e o forçou a abandonar o poder. Afastado, ele pediu asilo na sede das Nações Unidas em Guiné-Bissau, onde passou um ano, antes de viajar para a França, em autoexílio. O adversário de Embaló na eleição, Domingos Simões Pereira, que contestava o resultado do pleito alegando fraudes, também deixou o país, indo morar em Portugal.
Embaló tomou posse simbólica em um hotel - daí porque a oposição o chama de "autoproclamado" presidente. Mas, aos poucos, apesar das contestações internas, ele conseguiu reconhecimento internacional. Seu primeiro mandato foi marcado por denúncias de perseguições a opositores políticos, detenções arbitrárias e abusos aos direitos humanos. O Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ) tem denunciado frequentes casos de sequestro e espancamento de profissionais de imprensa críticos ao governo.
- O presidente Embaló deve enviar uma mensagem cara de que os ataques à imprensa não serão tolerados e comprometer-se publicamente com a liberdade de imprensa na Guiné-Bissau, garantindo a segurança de Silva e de todos os jornalistas do país - exigiu em Nova York a coordenadora do CPJ para a África, Angela Quintal.
O presidente também é criticado por ter apoiado repressão policial contra uma greve de professores e profissionais de saúde.
Entre as afinidades com o presidente Jair Bolsonaro está o fato de Embaló também ter um passado militar. É general reformado. O africano também colocou oficiais em postos-chaves no ministério. Em várias entrevistas, Embaló afirmou ter Bolsonaro como inspiração. À Deutsche Welle, afirmou, em julho do ano passado.
- O vice-presidente do Brasil disse-me durante a cúpula da CPLP em Luanda que o Jair Bolsonaro decidiu candidatar-se à Presidência por entender que o Brasil não podia correr mais riscos. Porque os civis não se entendem.
Para a comunidade guineense no Brasil, em geral crítica a seu presidente, Embaló vem em busca de legitimidade, uma vez que é questionado internamente. Mas também deve explorar a visita para ganhos domésticos, a fim de reforçar suas posições com alguém com quem tem simpatias ideológicas. Por questão de segurança, essas pessoas, a maioria estudantes, preferem não se manifestar publicamente.
- Por questão de segurança, a gente não está se manifestando, por causa dos nossos familiares (que vivem em Guiné-Bissau), estamos tendo esse cuidado. Hoje, o país está em uma situação muito difícil. Inclusive quem está fora está com medo - conta um guineense que vive no Rio Grande do Sul.
Há diferenças, entretanto, entre Embaló e Bolsonaro. O africano é muçulmano, formado em Relações Internacionais em Portugal e com doutorado na área, na Espanha. Fala, além do português, espanhol, francês, árabe e suaíli Nos últimos dias, ele tem feito apelos aos guineenses que se vacinem diante do risco da covid-19. O país africano registrou até agora 5 mil casos e 84 mortes. Ele já recebeu as duas doses de imunizante.